26.12.04

la glaneuse

na cozinha do apartamento
vejo uma abelha (em seu bailarico diário)
percebe as flores da jardineira: rosadas, amarelas, alaranjadas...
voa baixo, mais baixo ainda
cai na calda de chocolate que está no pote
sai de lá toda zonza
zonzinha
descansa um pouco na pia
zzz... bzunn...
ajeita para voar novamente,
mas não acredita no que acaba de ver:
várias abelhas,
abelhudas,
sorrateiras,
se contentando com o mel industrializado


*entomologista do cotidiano

12.12.04

estava a esperar, não apareceu.
não deixou registro.
perdeu o ônibus.
tenho medo da tristeza, por isso esse riso histérico.
se tentar me impedir um dia:
morro.

Para dois amigos que sobreviveram a um capotamento

Amanhã ia ter churrasco na mamãe, a gente ia ao supermercado comprar aquele doce de figo que as crianças tanto gostam, meu pai ia passar lá em casa para pegar emprestada a furadora e fazer as prateleiras para Si...

Tudo tão lento.
Então é assim, acabou?! – Fernanda pensava.
A sensação de estar caindo e não saber quando irá parar. O corpo flutua, solto, dentro do carro. Quando cessa, e vê que tudo está tranqüilo, Fernanda não sabe se está no céu ou no inferno.
São muitas luzes, coloridas, que cegam.
Era noite,
Fernanda suspirava.
Saiu pela janela direita. Sorte estar no banco de trás.
O marido não tinha se dado conta de que dormira por dois segundos.
Cochilara,
exausto.
Ganharam dois dias de folga no serviço.

11.12.04

Indefesa, a lagarta corre contra o tempo...
- Querido, temos jantar suculento!!! - Uma rolinha dizia a seu cônjuge.
- Que bom! Por hoje deixarei de atacar aquele intrigante pé de acerola. Ô pozinho infernal! - Respondeu sem piscar.
A lagarta, tão roliça, tão esverdeada, é pura clorofila.
Mas ninguém percebeu que, camuflado no troco da jabuticabeira, um calango, sorridente, escutava atencioso a conversa.

5.12.04

claro...
ainda claro
tão claro que quer engolir a noite
tempo: tempo
um pouco mais
(cada dia)
ainda pouco
não fosse claro,
seria outra coisa
possibilidade:
expectativa