29.8.10

foi em agosto

é estranho voltar ao bairro da infância
tudo parece familiar
ao mesmo tempo distante
 

os doidos do bairro
são os mesmos doidos
cada vez mais doidos
 

minha mãe a lhes dar comida
eles a agradecerem a Deus
ao Sr. Nosso Jesus Cristo

estamos a envelhecer

como antes o velho padeiro e português
ou o espanhol da casa verde

estamos a envelhecer, amiga

já se passaram anos...
ainda não nasceram os filhos

tudo igual no bairro da infância

e você como uma estrela
que do céu ri da nossa sorte

23.8.10

Eassis

na caixa de correios
um cartão
o cartão de um amigo
triste a distância
este estar sozinho?

dos afetos

que vêm e vão
vez em quando, a alegria

doces tardes de agosto

cuja luz (que luz!) não tem igual
e o frio que timidamente vai nos deixando
não tarda esquecido

o tempo está seco

mas o amor floresce
como as flores vespertinas

meu amigo,

você é um querido.
Van Gogh repousa
entre as estampas e memórias 
daqui a pouco
nos encontramos para uma cerveja
quiçá um jogo de cartas?



19.8.10

a vespa e a orquídea

5#10

entre seus olhos
o meio
nosso amor é rizomático
não tem início nem fim
sempre em vias de se fazer
no infinito

você atravessa em mim
desejos segredados
eu em você sou vespa e orquídea

no rio
roendo as margens
adquirimos velocidade no meio

o filósofo diz:
faça a linha e nunca o ponto

o poeta diz:
o mundo do rio não é o mundo da ponte


o que é o amor?
justo onde ele se esconde

16.8.10

A noite infinita

4#10


Meus olhos procuram os seus na noite incerta.
Ao encontrá-los buscam,
escondido atrás da árvore dos enamorados,
o abrigo dos dias felizes. 

É tão puro e simples aqui dentro de mim.
Como mergulhar os pés em água morna e sal
para lavar o corte.
Ou cobrir o rosto com as mãos
e reaparecer logo em seguida. 

Negra noite sem fim. 

Meus olhos que procuram os seus
são olhos de avenca.
Encontrando seu sorriso em cada uma das nossas manhãs.
Pudesse não permitiria que existisse a dor
ou que nenhum mal alguém lhe fizesse.  

Meu bem, durma um sono tranquilo.
A chuva renovará o ar
e a esperança de uma vida mais sincera.
A você uma flor e os meus encantos. 

Um bom dia vem quando menos se espera.

9.8.10

Sentados na Irlanda

                                                      Para o Eduardo Assis     

Nem sempre o que eu escrevo
é o que eu escrevo
Às vezes é exatamente o sentimento atravessando a alma
Como uma lâmina afiada
Por vezes, a evidência de uma voz alheia
Um grito
Quase sempre blefo
Como num jogo de cartas

Aprendi a ganhar muitos feijões no pôquer

Fingindo não saber jogar
A tabela de combinações ao lado
Não é que as cartas me saíam por entre os dedos?
Pousá-las uma a uma
Requinte de sarcasmo
Ai como é gostoso o gosto de cerveja...

Alguém está na Irlanda

Vagando pelas ruas
Se perdendo nas livrarias e cafés
Procurando uma mesa, alguns feijões
Cortando o baralho em três
Quem me ensinou a blefar


6.8.10

Maria Madalena

Sentirá a pedra rasgar a carne
Sem a intervenção de Deus
Sob tortura,
Não há quem resista em silêncio
Prevalecerá a versão do algoz
 
Engana-se quem acredita aqui ser diferente 
Com a faca o carrasco corta a carne,
Divide as partes e as redistribui
Da ferida escorre um líquido quente 
A liberdade um ato de lograr?

5.8.10

A loja de quinquilharias

A porta do vizinho sempre estava aberta
Nunca precisou tocar campainha
Ou gritar no portão
Quando dele necessitava algum aviamento
Era só entrar, escolher, depositar as moedas na registradora
Um dia, havia apenas um corpo no chão
Fora a imagem mais forte de então

Recuperei esta imagem
Ao ouvir o trem nesta manhã de sol
Estendendo as roupas no varal

Pensei na sorte
Olhei para o céu
A luz acariciando a face

3.8.10

Da infância*


Olhar para o passado
Remexer em imagens que julgava extintas
O porão da casa guardava mistérios
Já não sei se tudo ali foi real
Ou se invento na parede branca

Era bom o tempo da infância
Da alegria de viver no quintal,
Caçando minhoca e tatu-bolinha,
Guardo a imagem de uma tarde ensolarada
Duas crianças felizes
Colocando fogo nas bananeiras
Três jovens aflitos
A apagar com baldes e mangueira


Seria bom se tudo de ruim fosse apagado
A escrita ganharia mais leveza
Missão do poeta
Não poupar quem quer que seja

*para meus quatro irmãos

2.8.10

Pensei na morte?
Tardes melancólicas
Embora o céu esteja limpo
Queimei o braço com o ferro
Feri com a faca o meu peito
Marcas indeléveis
A impossibilidade de congelar o tempo
Por isso eu canto


para meus pais
diante de tudo que passou