26.12.04

la glaneuse

na cozinha do apartamento
vejo uma abelha (em seu bailarico diário)
percebe as flores da jardineira: rosadas, amarelas, alaranjadas...
voa baixo, mais baixo ainda
cai na calda de chocolate que está no pote
sai de lá toda zonza
zonzinha
descansa um pouco na pia
zzz... bzunn...
ajeita para voar novamente,
mas não acredita no que acaba de ver:
várias abelhas,
abelhudas,
sorrateiras,
se contentando com o mel industrializado


*entomologista do cotidiano

12.12.04

estava a esperar, não apareceu.
não deixou registro.
perdeu o ônibus.
tenho medo da tristeza, por isso esse riso histérico.
se tentar me impedir um dia:
morro.

Para dois amigos que sobreviveram a um capotamento

Amanhã ia ter churrasco na mamãe, a gente ia ao supermercado comprar aquele doce de figo que as crianças tanto gostam, meu pai ia passar lá em casa para pegar emprestada a furadora e fazer as prateleiras para Si...

Tudo tão lento.
Então é assim, acabou?! – Fernanda pensava.
A sensação de estar caindo e não saber quando irá parar. O corpo flutua, solto, dentro do carro. Quando cessa, e vê que tudo está tranqüilo, Fernanda não sabe se está no céu ou no inferno.
São muitas luzes, coloridas, que cegam.
Era noite,
Fernanda suspirava.
Saiu pela janela direita. Sorte estar no banco de trás.
O marido não tinha se dado conta de que dormira por dois segundos.
Cochilara,
exausto.
Ganharam dois dias de folga no serviço.

11.12.04

Indefesa, a lagarta corre contra o tempo...
- Querido, temos jantar suculento!!! - Uma rolinha dizia a seu cônjuge.
- Que bom! Por hoje deixarei de atacar aquele intrigante pé de acerola. Ô pozinho infernal! - Respondeu sem piscar.
A lagarta, tão roliça, tão esverdeada, é pura clorofila.
Mas ninguém percebeu que, camuflado no troco da jabuticabeira, um calango, sorridente, escutava atencioso a conversa.

5.12.04

claro...
ainda claro
tão claro que quer engolir a noite
tempo: tempo
um pouco mais
(cada dia)
ainda pouco
não fosse claro,
seria outra coisa
possibilidade:
expectativa

27.11.04

experimento #1

minhas mãos estão tingidas
magenta; azul marinho;
rosa.
leves riscos pretos cortam o meu braço
o cabelo espalhado na testa
movimentos circulares
ondas

(orifício)


vejo eu, vejo você
a linha, o desenho


20.11.04

Entrou na casa por volta das 2 horas da manhã.
Tudo parecia silencioso, até o cão não latiu. Marco já estava em sono profundo, vendo Bia, rindo Bia, lambendo Bia.
Abriu a porta do quarto. Apreciava o corpo, iluminado pela luz enfraquecida do abajur. Quis tocar o rosto, mas pensou.
Num outro instante (mais dedicada) viu um sorriso terno se completando.

Marco sonhava.
Então se despiu, vestiu uma seda,
deitou.
Antes de apagar a luz, olhou mais uma vez para o homem.

Pele macia, cabelos envolvidos.
Fechou os olhos,
não quis pensar em mais nada.

15.11.04

posso simular,
ser outra pessoa

*fingir ser eu mesma

assim, não sentirei solidão
nesses dias sem sol, sem chuva

*temperamento azul-rosado
Ouço Cat Power
Meu corpo pende para o lado em busca dessa voz
Romântica

13.11.04

só me recordo do mar
o resto ficou manchado
poeirinha fina 

daqui, a vista fica mais embaçada

deixa eu ver...
é simpático sim,
como não!?


***

(versão esquecida no fundo de uma gaveta)

da fotografia só me recordo do mar
o resto ficou manchado
lágrimas e borra de café
aqui a poeira toma conta
mas ele é simpático,
como não?!

amei sim,
no more.

caberia o mundo dentro do meu quarto?
pelo vidro atravessam:
raios alaranjados
a voz doce
*
nesta tarde
o infinito é mesmo possível?
vontade de dançar
não ligar para o tempo
às vezes paro num canto qualquer
a admirar
pessoas, gestos,
bocas
olhares

headphones - para ana luiza

genius to fall asleep to your tape last night
so warm
sounds go through the muscles
these abstract wordless movements
they start off cells that haven't been touched
before
These cells are virgins
waking up slowly

my headphones
they saved my life

your tape
it lulled me to
sleep

nothing will be the same

I'm fast asleep

I like this resonance
it elevates me
I don't recognize myself
this is very interesting

my headphones
they saved
my life
your tape
it lulled me to sleep

I'm fast asleep now
I'm fast

asleep

my headphones
they saved my life
your tape
it lulled me to
sleep

(björk - post)

10.11.04

crônica

o que mais me intriga na escola de direito é aquele sinal. me faz lembrar o primário, em que um barulho de sirene anunciava o término do recreio ou o fim da aula.
vejo rapazes em seus ternos bem comportados, e moças, cada uma exibindo seu corte.
o anjo exterminador ?
na cantina, uns caras jogam truco.
há um cheiro insuportável de macarrão na chapa.
alguém come ruidosamente.
(embrulho no estômago)
desço as escadas, atravesso o prédio.
placas de metal exibem nomes de formandos. são como lápides.
(ou) o sonho de eternidade.
entro no jardim central.
contemplando um bem-te-vi, percebo que o lugar não está completamente perdido.

7.11.04

(para Lélia)

Clara, Mariana, Luiza, Catarina
Todas amigas de infância

Clara casou-se com Virgílio
Mariana descobriu Sara
Luiza mudou-se para Lisboa,
(manda presentes e cartão postal)
Catarina, deitada na grama,
A árvore das palavras

vez em quando ela se esquiva
a contemplar o pé carregado de amoras,
a hortelã, que se alastra pelo canteiro,
orquídeas, bailarinas, com suas saias de babado,
que enfeitam o jardim da casa
onde vive com os pais
a noite – enorme
tudo dorme
menos teu nome

-- que tudo se foda,
disse ela,
e se fodeu toda

amar é um elo
entre o azul
e o amarelo

sossegue coração
ainda não é agora
a confusão prossegue
sonhos afora
calma calma
logo mais a gente goza
perto do osso
a carne é mais gostosa

você está tão longe
que às vezes penso
que nem existo

nem fale em amor
que amor é isto

(Paulo Leminski)
monologo
na falta do que dizer invento uma situação
se ela não corresponde,
reinvento a vida
assim falo todos os dias
com o coração virado para o oriente (possível?)
penso em você, sentado no escritório
nas prateleiras pessoas se misturam
o olho pisca
a boca (em Ó) anuncia o fim da tarde
– estamos todos exaustos. alguém mencionou?
antes de ir pra cama,
ajeita os livros
(numa sensação de que tudo está ali)
um copo de leite, rosquinhas de açúcar
a luz se apaga

seus sonhos
*incompreensíveis

6.11.04

Sonho amarelo

Sabia que dali não poderia mais voltar.
Busquei meu amuleto. Uma espécie de girino amarrado em uma cordinha preta.
Recuperei ânimo, dei risada. Entreguei-me ao calor e aos afagos imaginados.
A mão tingida de um tom azul-meio-verde.
Lá fora, o sol desfaz a poesia.

2.11.04

Aventuras subjetivas de Madame Mimi

– "Olha! Temos amiguinhos".
Estávamos no Brasil 41 quando Mi viu dois cachorros se aproximando da calçada repleta de pessoas sentadas a suas mesas, tomando cerveja e caipirinha, comendo torresmo ou carne de sol com mandioca.
– "Tipo, tô afim de ir logo dançar".

Mi, já no seu quarto copo de cerveja, doida para ir à festa onde rolaria samba, black, funk, eletrônicos e Tom Zé.
No final da noite, me trouxeram (Mi e o namorado). Entrou para beber um copo d’água. Apagou no sofá. Só se deu conta de si com o sol invadindo a sala. Levantou, procurou seu quarto e achou tudo diferente. Teria sonhado? Acordou. Percebeu que não dormira na sua varanda. Foi ao banheiro, lavou o rosto.

– "Hora de ir para casa".
Pensou.
Lá fora, olhou pro céu, que estava azul-azul, sentiu no rosto aquele sol que repicava as folhas das árvores com um dourado quase abstrato.
– "Gente! Vamos pra uma cachoeira? Hoje tá com cara de cachoeira".

O namorado de Mi, que também apagou no sofá, não disse que sim, nem disse não. Somente olhou de lado, com uma cara de quem queria uma chuveirada gelada, dessas de trincar osso, cair na cama e dormir.
*À tarde, foram jogar futebol.

31.10.04

# para nica - a bailarina de azul

às vezes me perco.
não sei se fico por aqui a admirar.
ou se (na tempestade rosa) permaneço.
saia rodada, de flores, perfumes variados.
são cores e mais cores.
- olhem! - gritou a menina.
- é uma bailarina a dançar - disse uma outra.
(poderia ser nica, mi, marília, júnia, raquel, carla, carol, tida, laura, li, let, também eu)
(Espelhos)

A noite não estava confusa
O corpo pende, solto
Transitava
Sapatos se entrecortavam, cada um a seu modo,
na pista
suspiros, delícia
Lá, eu o via?
Talvez
segunda - sexta

o sentimento de morbidez invade
quando quero recuar, me prende, me esfola
alguns esparadrapos seguram a pele (dependurada)
o sangue mareja
estou meio down
fico no mezanino lendo um livro, olho pela janela
a tarde parece
o quê? - me pergunta o português.
digo (ainda lânguida):
pra mim, ela só parece,
mais nada (ponto)

24.10.04

(autobiografia)

alguém leu minhas notas escritas no inverno passado...
estava numa ilha, gelada, nadando em água fervendo... parece-lhe estranho? pois alguém leu minhas notas. e a biografia acima é uma mistura da verdade dele, escritor, e preciosas anotações deixadas sobre o banco de madeira.

estou tomando café, comendo broa de fubá. dopada de antialérgicos...
meu deus!, quantos pernilongos existem em curvelo?!...

***

(os livros que nunca escrevi)

uma vez tive uma idéia (sempre tenho uma idéia). acho que as idéias se alojam no pensamento e depois são transmitidas pelo ar. o resumo disso é que alguns escritores parecem respirar esse ar. aí, leio o tal e digo: "taí o livro que eu não escrevi".

***

(incoerência)

minha cabeça hoje está para papos de aranha. isso pode dar em alguma coisa, se por exemplo pensarmos em teia, tessitura. aí vem o gostosão do
homem-aranha (saltitando por nova iorque) e invade a minha imaginação.
já não existe mais a idéia original, mas pulsações, fluídos ardentes...
a teia é açucarada (incoerência?)...

bzum zzz zz z... (isso é abelha na teia)
zzz...
bz...
glupsh!

(trechos extraídos da comunidade "escritores incompetentes")

23.10.04

A boca está entreaberta. O vento bate no rosto, sorri.
Não era do passado que se lembrava.

Passa a mão na testa. Franze o nariz.
Beija o ar.
Cai no chão. Respira.
Inclina uma pedra.
(Vê sair dali instantes de felicidade).
"Manolito publicitário"

Sonhava que estava num lugar onde não havia barulho de trânsito, telefone, televisão, rádio etc. As pessoas caminhavam com tanta disciplina e leveza, tão neutras, que não pareciam humanas. Pareciam personagens de papel. Mas de repente, eis que surge o Manolito com um cartaz enorme: COMPRE NO ARMAZÉM SEU MANOLO! Acordo assustada. Sem entender muito onde estou. Com a cabeça ainda meio zonza, me levanto e pego o "Toda Mafalda" que está ao lado do computador. Folheio o livro para ver quantas vezes o Manolito quebra o ritmo das tirinhas com essa investida. E não é que ele insiste! Manolito é filho de comerciante e sempre atento ao que lhe diz respeito dá um jeito de fazer publicidade. Achei que seria uma idéia fantástica escrever um texto sobre essa experiência minha com o Manolito, depois desanimei... Abri (sem querer) na página em que Mafalda está sonhando calmamente e Manolito, do nada, surge com o mesmo cartaz:
COMPRE NO ARMAZÉM SEU MANOLO!
(Quino já havia pensado nisso!)

17.10.04

Nós, os etnográficos

É ele (Oswaldo) a dançar samba e eletrônicos no meio da pista. Impulsos se espalham por todo corpo. Gira, gira. Abraça alguém. Bebe cerveja. Sai por um instante. Fuma um pouco perto do balcão. Sorri de um jeito. Volta.
Gira mais um pouco em torno de si mesmo. Abre os braços. Não se cansa nunca. Agora Jupira aparece (aonde ela estava?). Entra Raquel, Robinho (olhando de lado), Pedro, Pedrinho, Ribão, saltitante, e tudo se torna uma grande festa.
Eu? Também estou lá, escutando essa música, que quase nos escapa.

(para o amigo Garro – qualquer dia desses vamos tomar chá?)

Estou sempre parado. É verdade que circulo pelos ambientes, mas você vai me ver sempre parado, em algum canto, só observando. De vez em quando, murmuro alguma coisa. Geralmente, um comentário, desses, bem sutis. É assim, entre um chá e um café, uma cerveja e um cigarro, uma leitura e outra, que tocamos a vida.
Abriu delicadamente a persiana para ver se ele estava, como de costume, encostado no balcão do bar. Descobriu que, entre o poste e o telefone público da esquina, havia uma rachadura no passeio.
O silêncio a apavora. Toda vez que ele chega nem se olham. Entre um sorriso e outro acabam se tocando. Assim, tem-se a certeza de que tudo está no lugar.
Clara chora sentada no canto do banheiro: "Queria dar gargalhadas".
Agora lava o rosto, respira fundo, passa batom, engole seco e volta.
Amanhã é dia de fazer feira. Toda terça compra frutas pra casa.

16.10.04

Embriagada

Quando criança sonhava com uma casa invertida. O lado de dentro seria amarelo-ouro, o seu oposto azul-azul.

Essa idéia (ainda precária) faz parte das inúmeras idéias que colecionei ao longo desses anos. Era uma maneira que encontrei (na época) de tentar explicar, para minhas coleguinhas do colégio, o que seria o fora no dentro.

Eu era a única menina da minha rua a morar em uma casa que ofuscava a vista de qualquer passante. Assim, do avesso, a cor da casa faria parte apenas da nossa intimidade. Ofuscaria olhos, claro, mas de quem (autorizado) entrasse.

Explicar o fora no dentro hoje é banal. Basta pensar em sacanagem. Mas as meninas lá torciam o nariz pra mim. Acho que tinham medo de ficarem loucas ouvindo argumentos delirantes. Eu era meio confusa, confesso. Mas algo extraordinário me chama atenção nesse assunto.

De resto, a casa, concreta, permaneceu reluzente (por fora) durante um bom tempo. É, me ajudou na adolescência, quando precisava me esconder. Ninguém me via. Ou se via, não era eu.

É verdade que nunca provei do amarelo no meu quarto, na sala de TV, na área de serviço, no teto da cozinha e dos banheiros. Tudo pra mim, nesse aspecto, continua opaco.

O lado de dentro? Ah! Também nunca foi azul.

Ei! Ei! Ei! Ei! Ei! Calar por quê?

Cara, isso tudo é papo de boteco, essas coisas aí, jogar conversa fora, metáfora. Vai te fudê! Babaca!

***
ps: extraído “do diário de uma rapariga”.

12.10.04

(para Ribão – o sonho, de cabelo encaracolado, de todas as gentes)

A saudade é tanta que o coração salta pela boca, parece que não vai agüentar. Às vezes sorri. O pensamento anda longe.
"Cadê você, que até no sonho me faz falta?".
Os meses passam, ela chega, e o que era saudade vira um samba dentro do seu peito. Sorriso na cara, mais estalado.
O pensamento continua longe: a olhar constelações em dia de céu estrelado.
Afagos e beijos vem e vão (assim como a bandeira que está ao vento).
Coloca a mão no meu peito, "sente esse batuque engraçado?!".

ps.: me lembrei do Ribão, na casa do Pedrinho, tocando cuíca. Não consigo parar de rir. Espero conseguir anexar este texto, ainda quente, antes que eu caia em "si" e perca o calor da hora.
Dois mundos giram devagar no meu cérebro. Um quer que eu acorde e vá estender a roupa que a máquina acaba de bater. O outro, mais ocupado com o intelecto, quer que eu pegue o lápis e comece a fazer um esboço do retrato que me encomendaram. Decidi que os dois mundos vão continuar girando. Prefiro pegar no sono e sonhar que realizo minhas tarefas. Assim a ressaca passa, sem que eu me dê conta dela. Por que tanto vinho barato? Estou em algum bar de Paris, acompanhada de amigos franceses. Leio um postal que acaba de chegar do Brasil. O desenho do postal é de um artista muito conhecido, talvez espanhol. A letra está tremida. Mas parece sincera.
Vai ver tudo isso é verdade.
Sem idéia para o dia, porque a vontade é de falar coisas muito pessoais. Aqui não é o melhor lugar para deixar queixas. De qualquer modo, acaba ficando um pouco do que nos acontece. Não deixa de ser eu, andando nas ruas, sentindo o sol arder no rosto. Pode até ser que finja sentimentos, crie personagens, mas se não sou eu nem você, quem mais poderia escolher esta frase e não outra? Chorar às vezes faz bem; chorar esse mundo louco, de guerras e assaltos na esquina.
O cheiro de sangue humano, ainda quente. Quem foi o sacana que inventou a arma de fogo?
Prefiro os comprimidos... nos ajudam morrer lentamente.

não me interpretem mal.
Isso aqui, também é ficção.

10.10.04

compromisso

tentou encontrar no armário a roupa mais apropriada para a festa. demorou duas horas para combinar tudo. fez um coque. vestido preto, não tão justo. sapatos cor de abóbora. batom discreto, sombra rosada. colar, pulseiras, anel de âmbar. perfume.
pegou a bolsa. (saiu sozinha)

3.10.04

(para Li e Let)

Ao ver Catita e Su brincarem no quintal, se lembra do quanto ele lhe parecia perigoso na infância. Insetos esquisitos, atrevidos, minhocas a saltitar pela terra numa coreografia quase pornográfica. Mas o que mais a impressionava era a quantidade de plantas que, em vasos diversos, às vezes em latas de tinta e baldes velhos, estranhamente compunham aquele cenário. Lembrou-se do dia em que colocou fogo numa folha seca de bananeira quase causando um incêndio na casa. Várias delas ficaram torradas. Catita pega a mangueira e vai aguar algumas plantinhas que restaram daquele fabuloso quintal, enquanto Su fica olhando admirada. Quanto mais o tempo foi passando, mais o estreito chão de cimento tomou conta do lugar. Hoje o quintal se transformou num enorme pátio. Catita agora está sentada ao lado do banco de ardósia, caçando formiguinhas. E Su saltita numa poça d’água. Ambas terão que tomar banho.

26.9.04

(...)

bela manhã de laquê

amor (ou desejo de representação)

será que no fundo o que queremos é alguém a nos observar (sempre)?
*.* (scrapbook - muito pessoal) para eassis

e o ar penetra em nossos pulmões. nesse ar (pairam) escritos seus. não sei bem por onde começar a ler. sei que pareço uma leitora que aqui está completamente.

***

vocês juntos.
ela adoçaria sua vida e você faria (para ela) macarrão, serviria vinhos, depois café com diamante negro.
veriam constelações, dessa cobertura mágica que tem na sua casa. depois assistiriam a um filme do godard, "elogio ao amor", creio, deitadinhos, digo.
é isso que todos nós queremos: uma pessoa para estar com a gente, tornar esta vida mais leve.

tomar soverte na universal.

joão

foi pra alemanha.
hoje: casado, pai de duas meninas.
o joão, agora é poeta. acho que sempre foi, desde o colégio
.
li, outro dia, um poema dele.
fiquei arrepiada.

feliz em saber, joão,
que vai estar de volta ao brasil.

21.9.04

no final da tarde sempre arruma alguma atividade.
talvez faça um bolo e sirva com café.
quando cozinha, o tempo parece se esquecer dela.
a noite invade (lentamente) a casa.
hora de dormir. no colchão de molas.

18.9.04

o que mais me lembro é da limpeza do assoalho.
esse mesmo assoalho,
que minha tia lustrava todos os dias,
onde gerações se arrastaram,
depois cresceram,
tinha cheiro de rosas.
a casa,
hoje,
está mofada, mas não vazia.

assim-assim,
digo: mais perto.
(éh!) do seu ouvido.
chega pra cá,
que eu quero lhe dizer

palavras de amor.
vontade de abrir uma caixinha.
amar até o último segundo.
feliz pela rima (?)
esse homem,

que aparece, desaparece,
disfarçadamente.

do diário
de uma rapariga


assim quando você passa, cria,
entre o olhar,
o sorriso,
e um bocejo:
ruído.
encontrar você,
em uma esquina qualquer.
então: unha postiça,
batom vermelho,
casaco de festa...
uma cerveja,
um cigarro.
longe, o vejo mais ainda.
o corpo amolece...
mais um gole,
embriagada.
aqui a luz do poste cega.
voltar pra casa,
ler outro romance.
tanger o corpo
é mais seguro numa cama.

(a versão ilustrada desse texto
está na revista graffiti
76% quadrinhos n. 12)

17.9.04

glaura por eassis

scrapbook para anônimo nononô

o ipê, só ele dá um romance:
a história de uma árvore que floresce apenas uma vez, durante uma semana. aquilo que encanta nossos olhos, nos enche de esperança.
mas
uma outra vez,
só no próximo ano.
esperar assim,
para vê-lo amarelo,
vale a pena?
esta é a questão principal da história.

12.9.04

gracia:
don natural que hace agradable a la persona que lo posee;
cierto donaire y atractivo que se advierte
en la fisionomía de ciertas personas;
afabilidade y buen modo en el trato com las personas;
beneficio, concesión gratuita.

(esse y mais 40 000 términos están
en lo pequeño diccionario
de la lengua española)


11.9.04

não posso falar em caneta,
porque isso aqui é um teclado.
tampouco papel,
é tela.
estou um pouco sem paciência.
não estão chovendo idéias.
é água que cai lá fora.
e alguém ainda me diz
que o que acabei de escrever é metalinguagem.
não querida,
é meta-metalinguagem.
morangos silvestres

uma vez, no meu aniversário,
ganhei um pote de geleia de morango (feito pela mi).
veio embrulhado num saco pardo (desses de mercearia)
amarrado com um laço de fita marrom.

taci

conheço desde quando ela nasceu.
tinha seis meses quando minha mãe foi visitar o bebê.
dizem que eu esparramei na cama (de enorme)
e ela era apenas um ratinho.
tão miudinho, que até hoje requer um carinho danado.
ficar triste. a vida às vezes é dura.
esquece esse barulho ruim.
tudo vai melhorar,
prometo.

8.9.04

RESSACA

naldo: tô me sentindo um pano de chão.
desses bem usados, sabe?
jogado debaixo do tanque.

7.9.04

ROTINA

pires,
xícara, café.
prato, faca, manteiga, farelo de pão.
ela olha o relógio.
torneira, água, sabão: banho.
toalha.
sair antes das onze.
calcinha, vestido, coturno.
batom, colar de bolas.
bracelete.
chave do carro, agenda, bolsa: celular.
oi! aqui é JUPIRA! cara, cê num tem noção... rárárárárárárá... tenho que pegar um material na casa do joão, entregar no centro de cultura até onze e meia, receber uma figura chatérrima no aeroporto da pampulha, levar pra almoçar, deixar no hotel, depois encontrar o ribão e a ana pra gente ir gravar um documentário que tem sido complicadíssimo, buscar a tal figura sete horas, deixar no centro de cultura, passar na casa do jair, pegar com ele uns filmes importantíssimos sobre comunidades migratórias no extremo norte da áfrica do sul, ir pra reunião do forumdoc que começa às oito, depois cara, só me resta tomar todas no bar do clôde (...)
só que esse trânsito tá embaçado PRACARALHO!!! tô atrasadíssima.
te ligo depois...

5.9.04

não sei bem o que é esse ir embora.
mas (agora) sei o que é você partir.

desculpe o desarranjo.
não escrevi uma linha.
a cabeça estava explodindo.
hoje (mais tristes do que antes)
tocamos a vida.
só queria dizer, amiga,
que deixou saudades.
a fotografia não dizia tudo.
mas no canto direito,
a mão (dela) tocava um galho seco.
era quase setembro.
e já se anunciava o amor.
pender dos corpos.
não disse uma só palavra.

(ele) tinha um olhar discreto,
usava jeans.

as coisas me vem assim:
de um detalhe qualquer.
quase nunca cumpro o ritual.
mas às vezes dá uma alegria desesperada.
ouvir um sussurro.
bem aqui (óh).
pode até ser que eu seja mesmo boba.
mas dessa bobagem,
que a gente bem sabe,
aquele ruidinho esquisito,
é que o mundo se faz.
cara,
tô falando de amor.


(trecho retirado do diário de uma rapariga)

pshiuuu...

acordada em noite escura, ouço estalos.
as sementes da árvore do vizinho despencam.
amanhã terá que varrer o chão
(novamente).
estou (in)fértil,
e isso me irrita profundamente.
a pele arrepiada,
e a possibilidade de ficar grávida não é remota.
quem disse amor? confundiu tudo.

corações felizes

eduardo, ricardo e maria cris.
que mais posso dizer desse trio?
deliciosa tarde de domingo.

tempestuosa, apareceu uma glaura no milagre.
nasci em um 13 de junho, como Pessoa; (e meu pai disse isso).