22.5.14

preciso de um par de tênis para caminhada
de um vidro com o perfume que acabou
de uma luva e ferramentas de jardinagem
de terra e de vasos para plantar
preciso das palavras e das imagens contidas nelas
recortar fotografias
varrer o chão


17.5.14

“O cavaleiro da triste figura” é a legenda que acompanha esta fotografia encontrada em uma das pastas de retratos do meu pai.

Ao nos dizer toda a sua vida que morria, “não chegarei aos seus 15, 18 e formatura”, seu Gaivota teve a façanha de enganar a morte, pois sua esposa e filhos viviam com a dúvida se ela de fato viria. Também dizia, em relação aos filhos, “a criação deveria ser como a dos cavalos: quando adultos, correm livres pelos descampados e encontram cada um o seu destino”. Nos últimos dias, porém, não cansou de repetir: “olha, vocês estão viajando muito, se receberem a notícia da minha morte, terão trabalho para voltar”. 

O corpo descansa agora. Dorme e sonha o livro:

“E começou a tocar uma harpa suavissimamente. Ouvindo isto, ficou D. Quixote pasmado, porque logo naquele instante lhe acudiram à memória as infinitas aventuras, semelhantes àquela, de reixas e de jardins, músicas, requebros e desvanecimentos, que lera nos seus livros de cavalaria”.

A alma permanece no vento, no verde das árvores, no canto dos pássaros; e nesta imagem que hoje confirma a sua ausência, como objetos fora do lugar: a bengala, o chapéu, os óculos sobre a escrivaninha.




11.5.14

O voo do seu Gaivota,  meu pai

Meu pai tem agora as mãos sobre o peito 
Dorme um sono profundo e não quer que o acordemos
Deixou um livro na cabeceira: "As minas do rei Salomão"
Sentei ao seu lado, abri outro livro que o acompanhava e li alguma poesia do Drummond

*a casa sempre esteve em construção