28.8.05

uma mulher se perde na floresta
acaba de ver o marido na prisão
estamos no final do século XIX
já havia batedores de carteira
*uma bisneta lê diários esquecidos no sótão.

26.8.05

a retirada dos remédios causa um pouco de ansiedade
igual forçar o sono, rolar de um lado a outro,
sem conseguir retorno
dá coceira nos ossos...
lembrei dos meus discos
esse equilíbrio estranho
sensação de ser som, imagens...
é verdade que meu discman completa 10 anos
segue pulando faixas quando está irritado
mas ainda me acalma
dessa ligeira ansiedade
e seus picos zunindo
(like a badhead in the morning)
visão embaçada
os remédios e sua rotina

24.8.05

querida A. R.,
hoje completa um ano.
desci no centro e comprei entradas para uma peça de teatro (Antígona).
saindo do Palácio das Artes quis entrar no Parque Municipal. de fora da grade me pareceu um lugar tranqüilo para dedicar um minuto a você.
me enganei.
definitivamente não somos cosmopolitas... e de enxeridos ficamos olhando os outros: suas roupas, feições etc.
nem disfarçadamente,
queremos devorar o outro antes que ele nos devore.
ninguém suporta a solidão alheia e logo metem o olho intimidativo.
tentei perceber os patos que correm sobre as águas verdes do lago central...
mas um desejo incontrolado de fugir daquelas pessoas me fez desistir do gesto...
caminhei depressa pela rampa em S e antes de atingir a estrada principal:
uma linda gata branca sai de dentro das árvores...
não vejo muitos gatos soltos na rua ultimamente,
somente os gatos da vizinha do prédio ao lado
(que ficam tomando sol na janela ao final da tarde)
talvez o número de cercas elétricas esteja impedindo os gatos urbanos de circularem entre quintais, ruas e passeios.
mas a gata branca me trouxe você...
era realmente linda
tinha o olhar imperativo, como o seu...
desfilava como uma dama em seu casaco de pele legítimo...
igual ao dia em que me pegou de madrugada em casa e me levou ao hospital,
nunca esquecerei desse dia... seria a última pessoa que eu teria visto se morresse na emergência do Semper, que fica em frente a uma das entradas do parque.
não fui a última pessoa a lhe ver...

20.8.05

atendendo a pedidos #2

cena 1: ensaio melodramático
ela desliga o computador e inicia uma correria pelos cômodos da casa.
(...)
“aonde está a fotografia cinza?”
- perdeu-se do álbum.
alguém, alguém...
você?!
*no sótão...

cena 2: a queda
sobe as escadas,
tropeça
descobre um fundo falso no último degrau
passagem para uma dimensão que não existe
a chave do sótão está perdida em algum lugar desse vão...
se encoraja e pula
não é bem o que lhe parecia...
cai no porão.

cena 3: uma luz
o porão não está vazio
ela endireita o corpo
percebe um baú no centro,
abre...
não só uma... várias fotografias...
papéis e alguns carimbos (?).
não sei se lhe parece distante
eu estar ao pé da cama, fazendo a unha.
esmalte de tom café...
*blusa de listras cor de rosa, cabelo amarrado
a queda,
um corte
era dia de feira
sangrava.
agora, o queixo com esparadrapo,
você preparando sopa
a mesa posta
o queixo
pingava
mercúrio cromo (como me soa estranho)

*a memória da cicatriz

19.8.05

17.8.05

Onde estão vocês?
Ninguém (aí) para entender esta louca desvairada
de amor?!
Caramba!
Me perco na melodia...

14.8.05

quero todas aquelas imagens
de matias a eassis
esses seres submersos
que constroem poéticas (do vazio)
colam: cartier-bresson, cocteau, bergman
silêncio que habita
*saudades de novilúvio
outros dois seguirão para o norte
onde a neve é mais que intenção
somente todas aquelas imagens para interpretarem o som que invade a minha melancolia
um jazz para os etnográficos errantes

(e o ronaldo a nacar
nos meus livros)
domingo

acordar tarde,
visitar a família.
pé de pato, piscina...
churrasco, arroz branco, farofa
cerveja
falação
cocada branca, cocada preta
a cabeça que rodopia
cafezinho...

(estômagos estragados)

7.8.05

O marido ri na sala.
Ela tenta se concentrar no texto que precisa entregar até o final da próxima semana.
O marido dá uma gargalhada.
Ela
inveja.
O marido salta da cadeira.
Ela tenta entender como o autor constrói aquela narrativa oscilante.
De repente está na guerra colonial de Angola, lutando por uma causa que desconhece... a defender seu país sem ter sequer tido a chance de escolher se queria estar ali.
uma perna pelos ares cai ao seu lado...

podia jurar que era um tronco de árvore a sangrar...
A perna do soldado a faz lembrar da caixa de brinquedos.
Dos pedaços de bonecas. Dos olhos vazados da Guigui que insistia naquele sorriso de covinhas, da cabeça amassada da Fofolete e da Suzi, ou seja, do braço mastigado da Suzi.
A perna ainda é o soldado?
De volta ao acampamento, vê o médico desesperado com a chegada do primeiro morto...
Ele sai da enfermaria e não se importa em dizer:
“Está a dormir a sesta”.
No lado direito, os girassóis exibem, entre a fumaça, o seu bailarico diário.
O estourar de bombas a faz pensar nos foguetes de fim de ano. Como é lindo ver o céu exibir cascatas que oscilam entre o azul e o amarelo...
Feliz 2...
Quando percebe,
já se passaram horas...
o marido está no quarto a tomar chá, ouvir o rádio,
numa serenidade que anuncia o fim do dia...
amanhã, segunda-feira.
Depois da guerra,
providencia um banho quente,
para relaxar os ombros enrijecidos...
acalmar os dedos melancólicos.

4.8.05

orfeu atravessa o espelho


















o pássaro azul
a delatar as cores que não podem ser vistas:
assim se comporta o negativo?
desejo de ser laranja,
luminosidade...
o pássaro azul provoca as cores da sua radiografia.