Esqueci novamente de acender a luz
Deixei cair sobre a mesa batom e moedas
No canto esquerdo da sala há uma foto sua
Entre os bibelôs uma estampa
Meu pai dizia que a natureza do homem é suicida
Preparo para a festa
São duas horas da manhã
A geladeira está vazia
Nada é importante agora
29.12.07
28.12.07
No deserto do Arizona
Assistia ingenuamente a esta série e pensava nos dois cientistas condenados a vagar no tempo. "Quem iria querer enfrentar dinossauros e conflitos armados apenas para provar que a máquina não era mero desperdício ao Estado?"
(um jovem galã e um pensador maduro)
No deserto do Arizona estava escondida a maior de todas as invenções da vida moderna.
A lógica da aventura consistia em enfrentar o perigo, as paixões e o abandono, mas resta a dúvida sobre os procedimentos metodológicos dessa viagem.
Hoje compreendo melhor, apesar de não me recordar dos episódios – a não ser da antológica imagem espiralar que leva os dois personagens para passear no tempo. Tudo pelo entretenimento que contém a descoberta, ou o desejo impossível de sair ileso das tormentas e colapsos do mundo?
A máquina do tempo é uma homenagem ao cinema que se acreditava fazer na época
no deserto do Arizona.

(o túnel e o tempo)
(um jovem galã e um pensador maduro)
No deserto do Arizona estava escondida a maior de todas as invenções da vida moderna.
A lógica da aventura consistia em enfrentar o perigo, as paixões e o abandono, mas resta a dúvida sobre os procedimentos metodológicos dessa viagem.
Hoje compreendo melhor, apesar de não me recordar dos episódios – a não ser da antológica imagem espiralar que leva os dois personagens para passear no tempo. Tudo pelo entretenimento que contém a descoberta, ou o desejo impossível de sair ileso das tormentas e colapsos do mundo?
A máquina do tempo é uma homenagem ao cinema que se acreditava fazer na época
no deserto do Arizona.


(o túnel e o tempo)
27.12.07
Com Sinatra*
Ouço Sinatra cantar
Como é bom encerrar elegantemente esta temporada
e também triste
como um filme antigo
(Your fabulous face)
Cinco minutos mais, cinco minutos mais
para estar em seus braços
Apenas cinco minutos mais
(I see, I see)
Posso ver você
Lá do outro lado
Posso ser você
Onde o rosto toca o vento
Dançar com o corpo mole
no escuro
(I lost my heart)
Queria falar sobre coisas assim
Cantar assim
(Every time. You and I. Every time)
Nem chá, nem suco de tomate
(A cup of coffee, please)
----------------
*para a equipe
Como é bom encerrar elegantemente esta temporada
e também triste
como um filme antigo
(Your fabulous face)
Cinco minutos mais, cinco minutos mais
para estar em seus braços
Apenas cinco minutos mais
(I see, I see)
Posso ver você
Lá do outro lado
Posso ser você
Onde o rosto toca o vento
Dançar com o corpo mole
no escuro
(I lost my heart)
Queria falar sobre coisas assim
Cantar assim
(Every time. You and I. Every time)
Nem chá, nem suco de tomate
(A cup of coffee, please)
----------------
*para a equipe
19.12.07
b. brecht
A fumaça (der rauch) mistura no vento uma cor delicada
Alguns pontos de luz a atravessam
Sorte o dia ter amanhecido claro
Nas árvores uma poeira fina
Ao entardecer esperamos chuva no lago
para João Lúcio
Alguns pontos de luz a atravessam
Sorte o dia ter amanhecido claro
Nas árvores uma poeira fina
Ao entardecer esperamos chuva no lago
para João Lúcio
13.12.07
Pazes com o imaginário*
O tronco estava úmido
Entre as folhas das árvores restos de chuva
O nariz fica gelado nesta época do ano
Tenho apenas três páginas de anotações
(a saudade é algo para se beber)
Aceite um ramo
------------------------------------
*para Cinara Araújo
Entre as folhas das árvores restos de chuva
O nariz fica gelado nesta época do ano
Tenho apenas três páginas de anotações
(a saudade é algo para se beber)
Aceite um ramo
------------------------------------
*para Cinara Araújo
18.11.07
16.11.07
Elogio escondido numa gaveta*
Desisti do amor.
Seu sentimento grandioso,
sua celebração.
As coisas menores agora me são caras.
Em espírito febril
ergo o espelho,
deixo o vento tocar o rosto,
sinto-o inteiramente livre.
Rodar os pulsos,
torcer o corpo inteiro.
Olho seu sorriso no retrato que se apaga no tempo.
*para Eassis, para Carolina Junqueira
Seu sentimento grandioso,
sua celebração.
As coisas menores agora me são caras.
Em espírito febril
ergo o espelho,
deixo o vento tocar o rosto,
sinto-o inteiramente livre.
Rodar os pulsos,
torcer o corpo inteiro.
Olho seu sorriso no retrato que se apaga no tempo.
*para Eassis, para Carolina Junqueira
29.9.07
Insônia
Meu pai barrigudo louco sem dentes.
Sai pela madrugada gritando meus irmãos.
Vou atrás dele. Momentos antes pulava a linha do trem.
A cabeça está pesada.
O sonho escapa os loucos da casa.
Sai pela madrugada gritando meus irmãos.
Vou atrás dele. Momentos antes pulava a linha do trem.
A cabeça está pesada.
O sonho escapa os loucos da casa.
12.9.07
Fim do cacimbo*
Cheiro de terra molhada.
Sangue espesso. Barro amontoado.
No alto daquele morro tem um Baobá, sim sinhô.
Os galhos tocam o céu.
De maio a agosto, floresce uma única noite.
De lá, do alto daquele morro,
o mar pode ser visto.
Agora é setembro. Não recomendo.
Terra vermelha, terra molhada.
*para Nazareth Fonseca, para Zetho Gonçalves
Sangue espesso. Barro amontoado.
No alto daquele morro tem um Baobá, sim sinhô.
Os galhos tocam o céu.
De maio a agosto, floresce uma única noite.
De lá, do alto daquele morro,
o mar pode ser visto.
Agora é setembro. Não recomendo.
Terra vermelha, terra molhada.
*para Nazareth Fonseca, para Zetho Gonçalves
5.9.07
Umbigada
O umbigo é um poço
Não tocar nele
Inocente achar que se fala a verdade
Não se transfere o poço
Não se transfere dor
Amar com a pele inflamada
Não tocar nele
Inocente achar que se fala a verdade
Não se transfere o poço
Não se transfere dor
Amar com a pele inflamada
14.8.07
Vento do mar
A noite caiu
Estava com a xícara de chá na mão
Sobre a mesa uns restos de pão
Em tempo de guerra não se arrisca desperdiçar nada
Morreu do efeito do gás
Estava com a xícara de chá na mão
Sobre a mesa uns restos de pão
Em tempo de guerra não se arrisca desperdiçar nada
Morreu do efeito do gás
30.7.07
Lições para amar
Estou a cair, a cair, a cair
Do cineasta que mais inspira a poetisa
Os silêncios, os dramas, os fantasmas
A casa de Bergman
Um relógio sem ponteiros, uma cama, um lençol branco
Seu sopro: - Ágnes...
Do cineasta que mais inspira a poetisa
Os silêncios, os dramas, os fantasmas
A casa de Bergman
Um relógio sem ponteiros, uma cama, um lençol branco
Seu sopro: - Ágnes...
26.7.07
D'este seu pequeno canto de Luanda*
Vento de terra vermelha,
poeira fina que cobre os carros
O sol que cai no mar coagula imensa bola de fogo
Musseques a perder de vista,
ruas por asfaltar,
crianças agarradas às costas
(amor)
Pensar em Luanda
seus mercados, seus ritmos, suas falas
Máquinas de costura reta,
pernas de furar tecido,
língua no céu da boca
Amiga, amiga, amiga...
Pano bonito, estampa de elefante, olha amiga
(para John, Forrest, Marília, e Mário)
*frase extraída de mensagem enviada por John
poeira fina que cobre os carros
O sol que cai no mar coagula imensa bola de fogo
Musseques a perder de vista,
ruas por asfaltar,
crianças agarradas às costas
(amor)
Pensar em Luanda
seus mercados, seus ritmos, suas falas
Máquinas de costura reta,
pernas de furar tecido,
língua no céu da boca
Amiga, amiga, amiga...
Pano bonito, estampa de elefante, olha amiga
(para John, Forrest, Marília, e Mário)
*frase extraída de mensagem enviada por John
20.7.07
Entre as montanhas
Da cama pode-se ver o horizonte.
O céu impondo uma cor turva.
No colchão uma pata de urso mole.
O que mais choca é a estupidez.
No fundo da bacia um rio e uma neblina.
Um filme passando na TV.
O céu impondo uma cor turva.
No colchão uma pata de urso mole.
O que mais choca é a estupidez.
No fundo da bacia um rio e uma neblina.
Um filme passando na TV.
5.7.07
O flautista mágico
A ponta dos dedos corrói a pedra.
Se nasce uma flor espremida entre a pedra e os dedos
dizem que somos poetas vulgares.
Enquanto a água corre no corpo, e a flor teima em nascer,
o corpo quebra pedras no momento inoportuno.
Se nasce uma flor espremida entre a pedra e os dedos
dizem que somos poetas vulgares.
Enquanto a água corre no corpo, e a flor teima em nascer,
o corpo quebra pedras no momento inoportuno.
Naus
Sou um náufrago
tocado pelo ronco do mar.
- Meu amor me espera.
Enamorado de você,
o vento carrega meu espírito.
Se não sou eu a dizer palavras,
a pele queima.
Beijar, beijar, beijar
Num instante sinto frio.
Procuro um canto.
O olhar tenta colher seu sorriso.
Pouso as mãos no assoalho,
toco as irregularidades da madeira.
- Meu amor me espera.
(para Bardo)
tocado pelo ronco do mar.
- Meu amor me espera.
Enamorado de você,
o vento carrega meu espírito.
Se não sou eu a dizer palavras,
a pele queima.
Beijar, beijar, beijar
Num instante sinto frio.
Procuro um canto.
O olhar tenta colher seu sorriso.
Pouso as mãos no assoalho,
toco as irregularidades da madeira.
- Meu amor me espera.
(para Bardo)
25.6.07
De amigos etnográficos
Acabo de chegar em Sintra.
O destino é a Praia das Maçãs.
Ver o litoral.
A cidade é charmosa
onde deveria ter hospedado uns dias.
Tiro impressões de uma tarde.
Sozinha.
Lembrar das pessoas queridas, tarefa do poeta?
O silêncio é mesmo o lugar da escrita.
Corro o risco da metáfora.
Não tenho pressa. Digo devagar.
- A visão é sempre um corte cinematográfico.
(Para Oswaldo)
O destino é a Praia das Maçãs.
Ver o litoral.
A cidade é charmosa
onde deveria ter hospedado uns dias.
Tiro impressões de uma tarde.
Sozinha.
Lembrar das pessoas queridas, tarefa do poeta?
O silêncio é mesmo o lugar da escrita.
Corro o risco da metáfora.
Não tenho pressa. Digo devagar.
- A visão é sempre um corte cinematográfico.
(Para Oswaldo)
23.6.07
19.6.07
De anjos e pássaros
Deixei de escrever há um tempo para dar lugar às notas práticas.
Onde seguir, que rua é melhor pegar, onde ir.
Mudei de casa em Lisboa, mas já estive em mais três e dois hotéis nesta estada Luanda-Dundo-Lisboa-Porto-Vila Real-Paris.
Durante um tempo tive vontade de estar em casa, por uma noite apenas, colocar os pés em água quente e sal.
Beijar Ronaldo. E voltar.
Agora aproveito os últimos dias na cidade de Pessoa e possível visita a Évora e Sintra, lugares que não poderia deixar de conhecer por estarem tão perto. A Praia das Maçãs fica em Sintra e a curiosidade é imensa.
Comprei as cartas de guerra de Lobo Antunes e senti o amor de um jovem casal. Um esforço para se manter vivo.
Na guerra nada parece escrito.
Retomo os exercícios de fixar as ruas e reaprender a me localizar.
Agora, sentada numa igreja de pedra, se fechar os olhos posso estar na de São José, no centro de Belo Horizonte, onde tantas vezes fui.
- Traz de volta o sentimento que me deste na infância. O amor pelos pássaros, pelo ar, pelo céu azul.
Não imploro aos santos uma sanidade. O sentimento beato não deveria ser encoberto.
- Quem nunca pediu a Deus a cura de uma indigestão?
- Rogai por nós.
Desligaram a música. Desço a rua até a Baixa para postar esta carta.
(Para Ronaldo)
Onde seguir, que rua é melhor pegar, onde ir.
Mudei de casa em Lisboa, mas já estive em mais três e dois hotéis nesta estada Luanda-Dundo-Lisboa-Porto-Vila Real-Paris.
Durante um tempo tive vontade de estar em casa, por uma noite apenas, colocar os pés em água quente e sal.
Beijar Ronaldo. E voltar.
Agora aproveito os últimos dias na cidade de Pessoa e possível visita a Évora e Sintra, lugares que não poderia deixar de conhecer por estarem tão perto. A Praia das Maçãs fica em Sintra e a curiosidade é imensa.
Comprei as cartas de guerra de Lobo Antunes e senti o amor de um jovem casal. Um esforço para se manter vivo.
Na guerra nada parece escrito.
Retomo os exercícios de fixar as ruas e reaprender a me localizar.
Agora, sentada numa igreja de pedra, se fechar os olhos posso estar na de São José, no centro de Belo Horizonte, onde tantas vezes fui.
- Traz de volta o sentimento que me deste na infância. O amor pelos pássaros, pelo ar, pelo céu azul.
Não imploro aos santos uma sanidade. O sentimento beato não deveria ser encoberto.
- Quem nunca pediu a Deus a cura de uma indigestão?
- Rogai por nós.
Desligaram a música. Desço a rua até a Baixa para postar esta carta.
(Para Ronaldo)
13.6.07
Em pequena via meu pai cortar o calo com uma navalha.
Vazava em mim um sentimento de sangue.
(Temo os objetos cortantes)
Hoje, na Praça da Figueira, tive medo da vida.
Temi pelos antepassados. Temi por terem cruzado o Atlântico.
Talvez fosse apenas vontade de virar as costas.
Dizem muito adeus por aqui.
A metade que existe em mim, o medo, está no gesto de rasgar o calo em água quente e sal.
Dos livros que meu pai depositou na estante
Quixote, Werther, Dom Casmurro, Glaura.
Vazava em mim um sentimento de sangue.
(Temo os objetos cortantes)
Hoje, na Praça da Figueira, tive medo da vida.
Temi pelos antepassados. Temi por terem cruzado o Atlântico.
Talvez fosse apenas vontade de virar as costas.
Dizem muito adeus por aqui.
A metade que existe em mim, o medo, está no gesto de rasgar o calo em água quente e sal.
Dos livros que meu pai depositou na estante
Quixote, Werther, Dom Casmurro, Glaura.
7.6.07
Poema para Ronaldo
A orquestra acorda suavemente.
Por favor, grita o homem ao centro.
Faz uma pausa.
Quem está de pé no escuro? - diz o maestro.
Os dedos estão leves, a reger os instrumentos.
Homem inquieto.
Em minha mente faço versos menores. Tradução desse som.
Imagino palavra e música.
Procuro Samuel Beckett.
Girar Girar Girar
Diga as regras. Cairei em sono profundo.
Todos os poemas endereçados a você.
Por favor, grita o homem ao centro.
Faz uma pausa.
Quem está de pé no escuro? - diz o maestro.
Os dedos estão leves, a reger os instrumentos.
Homem inquieto.
Em minha mente faço versos menores. Tradução desse som.
Imagino palavra e música.
Procuro Samuel Beckett.
Girar Girar Girar
Diga as regras. Cairei em sono profundo.
Todos os poemas endereçados a você.
1.6.07
Pardon
As máscaras sorriem.
Não é tempo de sonhar.
Se pudesse escreveria compulsivamente.
Mas tudo vira metáfora imprópria.
Corvos no pátio.
Catedral sombria.
Paris
em qualquer museu.
Podemos ser mais perturbados.
Caminhar perdendo o jogo das pernas.
Loucos, portanto.
Não é tempo de sonhar.
Se pudesse escreveria compulsivamente.
Mas tudo vira metáfora imprópria.
Corvos no pátio.
Catedral sombria.
Paris
em qualquer museu.
Podemos ser mais perturbados.
Caminhar perdendo o jogo das pernas.
Loucos, portanto.
27.5.07
Meu pai me ensinou a ver mapas.
Essa estranha maneira de viajar me fez inventar os lugares.
Sempre imaginei na folha achatada como seria sua arquitetura.
Espaço entre os olhos.
Hoje, do alto de um castelo de Lisboa, vejo construções em labirinto.
Parece que sempre estive aqui.
Tudo soa melancólico e triste.
Essa estranha maneira de viajar me fez inventar os lugares.
Sempre imaginei na folha achatada como seria sua arquitetura.
Espaço entre os olhos.
Hoje, do alto de um castelo de Lisboa, vejo construções em labirinto.
Parece que sempre estive aqui.
Tudo soa melancólico e triste.
26.4.07
Rumo ao Norte
Não, não se pode ser covarde com os dedos.
A impaciência ilude o cara.
Estou em Omaha, Saint Louis, Memphis.
Amanhã, no porto, farei versos melhores.
Missouri, Ohio, Mississippi.
- Ao encontrar Dora pedirei desculpas.
Cantarei um ritmo incomum.
Trarei para perto do meu ombro uma mulher sorrindo.
(dos Cadernos de Jazz)
A impaciência ilude o cara.
Estou em Omaha, Saint Louis, Memphis.
Amanhã, no porto, farei versos melhores.
Missouri, Ohio, Mississippi.
- Ao encontrar Dora pedirei desculpas.
Cantarei um ritmo incomum.
Trarei para perto do meu ombro uma mulher sorrindo.
(dos Cadernos de Jazz)
19.4.07
Hibisco
16.4.07
12.4.07
Extracampo*
(O pulso esquerdo dói um pouco.
Não consigo carregar o pires com uma das mãos
e levantar a xícara elegantemente com a outra.)
Não consigo.
Estou cansada.
Trocando palavras.
- Rubricas.
Procurando imagens.
- Contas a pagar.
No canto do armário,
a foto de um falecido,
as primeiras ilustrações,
um argumento.
- Arquivo
(Se girar, queimo a pele.)
*para Sil e Bu/ Ana e Beto.
Não consigo carregar o pires com uma das mãos
e levantar a xícara elegantemente com a outra.)
Não consigo.
Estou cansada.
Trocando palavras.
- Rubricas.
Procurando imagens.
- Contas a pagar.
No canto do armário,
a foto de um falecido,
as primeiras ilustrações,
um argumento.
- Arquivo
(Se girar, queimo a pele.)
*para Sil e Bu/ Ana e Beto.
7.4.07
Clareira
Vejo uma usina sair de dentro da montanha.
Cilindros tocam o céu
e uma fumaça cinza dissolve a atmosfera.
Vejo uma casa verde e uma estufa.
Animais passeando pelo capim.
Um filete de água, roupas no varal.
É dia, e não vejo árvores.
Cilindros tocam o céu
e uma fumaça cinza dissolve a atmosfera.
Vejo uma casa verde e uma estufa.
Animais passeando pelo capim.
Um filete de água, roupas no varal.
É dia, e não vejo árvores.
2.4.07
A dor do poeta
Se perguntar ao poeta,
ele dirá que não sabe como se arranca uma dor.
Eu, que não sou poeta,
também não sei arrancar com as mãos a dor.
Queria ouvir uma música suave,
apenas isso,
mas os ouvidos estão tampados.
Se há música, se há tom suave,
ele passará pelas frestas da janela e tocará o rosto.
Acariciará a pele,
talvez amanhã, talvez sempre.
(para Júnia)
ele dirá que não sabe como se arranca uma dor.
Eu, que não sou poeta,
também não sei arrancar com as mãos a dor.
Queria ouvir uma música suave,
apenas isso,
mas os ouvidos estão tampados.
Se há música, se há tom suave,
ele passará pelas frestas da janela e tocará o rosto.
Acariciará a pele,
talvez amanhã, talvez sempre.
(para Júnia)
22.3.07
De jovens e reacionários
– Jovens e já andam velhos.
(Diz a quinta página do romance a ser lido)
O peito inflado.
Angustiadas esperanças sobre verdade alguma.
O poeta
(nada mais o impede)
espia da janela,
sente fisgar a face.
Trava a respiração.
– Sou eu, sou você falando asneiras?
Fora do estômago, o jantar de ontem
coalhando na pia.
O ar está excessivamente puro nesta manhã.
Os pulmões se arrebentam em folhos.
E a vizinha dos gatos amarga na área de serviço.
Diga alto, por favor,
ninguém dorme na casa.
(Diz a quinta página do romance a ser lido)
O peito inflado.
Angustiadas esperanças sobre verdade alguma.
O poeta
(nada mais o impede)
espia da janela,
sente fisgar a face.
Trava a respiração.
– Sou eu, sou você falando asneiras?
Fora do estômago, o jantar de ontem
coalhando na pia.
O ar está excessivamente puro nesta manhã.
Os pulmões se arrebentam em folhos.
E a vizinha dos gatos amarga na área de serviço.
Diga alto, por favor,
ninguém dorme na casa.
17.3.07
Mesa posta
A faca atravessa o bife dividindo-o em quatro.
Assim, servia o jantar.
Naquela noite, um tio ainda bateria à porta.
(para minha mãe)
Assim, servia o jantar.
Naquela noite, um tio ainda bateria à porta.
(para minha mãe)
12.3.07
Novembro, 1935
Rasgar os dedos ao escrever.
Bela metáfora nos olhos dos outros,
já não dizia o ditado?
Geração triste sem memória.
Bela metáfora nos olhos dos outros,
já não dizia o ditado?
Geração triste sem memória.
8.3.07
Poesia dentro*
De quando a máquina de filmar não é remédio.
Como é bom, numa tarde como esta, deitar a cabeça em fronha limpa.
Longe do sol quente, longe do barulho de buzinas e motores.
Cada vez mais creio que tudo, praticamente tudo, pode virar poesia
quando se tem o peito a arder em febre,
quando o nó, apenas o nó na garganta impede o ar,
quando não o pulso, mas o estômago está cortado,
quando os olhos estão fechados
e a tela escura é apenas passagem cinematográfica.
No sonho, tudo vira poema.
(na ponta dos dedos toca-se o mundo)
*para Ana C., Júnia T., M. Lúcia, Claudete
Como é bom, numa tarde como esta, deitar a cabeça em fronha limpa.
Longe do sol quente, longe do barulho de buzinas e motores.
Cada vez mais creio que tudo, praticamente tudo, pode virar poesia
quando se tem o peito a arder em febre,
quando o nó, apenas o nó na garganta impede o ar,
quando não o pulso, mas o estômago está cortado,
quando os olhos estão fechados
e a tela escura é apenas passagem cinematográfica.
No sonho, tudo vira poema.
(na ponta dos dedos toca-se o mundo)
*para Ana C., Júnia T., M. Lúcia, Claudete
5.3.07
4.3.07
27.2.07
25.2.07
Tableau
Quando Rubia se deita, pende a cabeça no lado esquerdo do colchão.
Não vê luzes piscarem na placa do hotel.
O homem está de pé, espreitando a rua entre as tabuinhas da persiana.
A noite acabou.
Olha para ela e vê um anjo dormindo.
Amanhã partem para outra cidade.
A voz está cansada.
Não vê luzes piscarem na placa do hotel.
O homem está de pé, espreitando a rua entre as tabuinhas da persiana.
A noite acabou.
Olha para ela e vê um anjo dormindo.
Amanhã partem para outra cidade.
A voz está cansada.
16.2.07
Da máquina de fitar
Aprendi (bem ou mal) duas coisas a respeito da literatura:
não confiar na voz do narrador, duas vezes menos na voz do autor.
Discordância e ambiguidade valorizam o diálogo?
A intriga parece ser mais sutil que isso.
"Desculpar-se é ato generoso". A voz de um dos clássicos.
"Se lhe pedir desculpas, ainda assim continuarei a mentir". A mulher que chega no balcão.
"Pedindo desculpas não serei mais o que pareço. Passemos a régua. Estou cansado". Um poeta moderno.
(Ele pede uma xícara de café.
Tem os olhos fixos e tristes.
Já não consegue ver generosidade em nada,
mas se encanta com a jovem que passa.
Ela não o repara.
Anda meio sem jeito.
Tem os dedos firmes na carteira.
Pede fósforos)
Evito anotações.
Não há nada demais,
apenas um gato arranhando o vidro da janela.
Do quarto, poderia escrever até os dedos sangrarem.
Ainda ouço a voz da mulher solfejando.
Ela era como um anjo.
(um romance por fazer, rascunhos - 2004)
não confiar na voz do narrador, duas vezes menos na voz do autor.
Discordância e ambiguidade valorizam o diálogo?
A intriga parece ser mais sutil que isso.
"Desculpar-se é ato generoso". A voz de um dos clássicos.
"Se lhe pedir desculpas, ainda assim continuarei a mentir". A mulher que chega no balcão.
"Pedindo desculpas não serei mais o que pareço. Passemos a régua. Estou cansado". Um poeta moderno.
(Ele pede uma xícara de café.
Tem os olhos fixos e tristes.
Já não consegue ver generosidade em nada,
mas se encanta com a jovem que passa.
Ela não o repara.
Anda meio sem jeito.
Tem os dedos firmes na carteira.
Pede fósforos)
Evito anotações.
Não há nada demais,
apenas um gato arranhando o vidro da janela.
Do quarto, poderia escrever até os dedos sangrarem.
Ainda ouço a voz da mulher solfejando.
Ela era como um anjo.
(um romance por fazer, rascunhos - 2004)
8.2.07
7.2.07
As coisas ardem.
Como numa guerra. Como no amor?
Ainda podemos ler a inscrição no que ficou da máquina de cozinhar.
Forte demais para os olhos.
Tenho taquicardia.
(para carol e ribs)
Como numa guerra. Como no amor?
Ainda podemos ler a inscrição no que ficou da máquina de cozinhar.
Forte demais para os olhos.
Tenho taquicardia.
(para carol e ribs)
3.2.07
Criptologia sobre um mapa em papel cartão
Quando eu tinha 9 anos, meus irmãos jogavam war na sala de jantar. Por ser menina e muito criança ainda, podia apenas ficar sentada vendo-os jogar.
"- Digamos que você seja do serviço de inteligência. Poderá ser consultada a qualquer momento".
Lá, no lugar que ocupava, sem saber ao certo qual dos grupos ajudaria, se um, se todos, percebia pastilhas, aviões e navios avançando territórios. Os exércitos se uniam e tomavam as regiões com estratégias absurdas. Garotos de 14 e 15 anos tinham nas mãos o mundo. Fixar os olhos no mapa colorido de rosa, amarelo e verde, tarefa difícil.
O "inimigo" espuma a boca e arrasa dois continentes inteiros.
É o fim. Não é o fim, por enquanto.
Hoje, lendo o cinema menor, pensei: daqui alguns anos, na falta de água doce, seria capaz dois inimigos de agora se tornarem "amigos" para invadirem territórios juntos?
Observando o war, sabia que não dava para confiar em nenhum dos grupos. Burlavam as regras para que o jogo se tornasse mais emocionante. Além de a inteligência estar constantemente ameaçada.
Sobre a voz com sotaque britânico na rádio iraquiana, a menina de 9 anos diria: "parece mensagem cifrada. Além do endereçado, apenas uma equipe poderia decifrá-la".
"- Digamos que você seja do serviço de inteligência. Poderá ser consultada a qualquer momento".
Lá, no lugar que ocupava, sem saber ao certo qual dos grupos ajudaria, se um, se todos, percebia pastilhas, aviões e navios avançando territórios. Os exércitos se uniam e tomavam as regiões com estratégias absurdas. Garotos de 14 e 15 anos tinham nas mãos o mundo. Fixar os olhos no mapa colorido de rosa, amarelo e verde, tarefa difícil.
O "inimigo" espuma a boca e arrasa dois continentes inteiros.
É o fim. Não é o fim, por enquanto.
Hoje, lendo o cinema menor, pensei: daqui alguns anos, na falta de água doce, seria capaz dois inimigos de agora se tornarem "amigos" para invadirem territórios juntos?
Observando o war, sabia que não dava para confiar em nenhum dos grupos. Burlavam as regras para que o jogo se tornasse mais emocionante. Além de a inteligência estar constantemente ameaçada.
Sobre a voz com sotaque britânico na rádio iraquiana, a menina de 9 anos diria: "parece mensagem cifrada. Além do endereçado, apenas uma equipe poderia decifrá-la".
28.1.07
Velho Oeste
27.1.07
19.1.07
Bom Jardim
tem a história de um cavalo, cego de um olho, que ganhou competição.
tem a história de um menino que se perdia nos bairros de Curvelo. que fazia todos rirem.
tem a história de um outro menino, tão bom, tão doce, que me emociono ao lembrar de sua leveza.
tem a história de uma menina e sua roupa de quadrilha com gigantescas frutas bordadas ao invés das tradicionais flores. a mãe sempre inovava.
tem a história de um casal, tão unido, tão alegre.
(tudo registrado em fotografias)
um sussurro, uma lembrança.
(para Pedrães)
tem a história de um cavalo, cego de um olho, que ganhou competição.
tem a história de um menino que se perdia nos bairros de Curvelo. que fazia todos rirem.
tem a história de um outro menino, tão bom, tão doce, que me emociono ao lembrar de sua leveza.
tem a história de uma menina e sua roupa de quadrilha com gigantescas frutas bordadas ao invés das tradicionais flores. a mãe sempre inovava.
tem a história de um casal, tão unido, tão alegre.
(tudo registrado em fotografias)
um sussurro, uma lembrança.
(para Pedrães)
9.1.07
cidade
pessoas caminham em diagonal.
(depois que todas passarem)
ainda estarei sentada
num bar, num café, num ponto de ônibus.
uma caneta, por favor.
nesta noite,
chá quente e uma canção.
(para nica e beto)
(depois que todas passarem)
ainda estarei sentada
num bar, num café, num ponto de ônibus.
uma caneta, por favor.
nesta noite,
chá quente e uma canção.
(para nica e beto)
4.1.07
Moro numa vila de pescadores. Há dias o céu insiste nublado.
O mar está tranquilo apesar da correnteza.
As pedras sentem o peso da água.
(se fechar os olhos, lembrará dos parentes mortos)
Não há tristeza nos olhos. Apenas o tempo.
Quando o vir, direi palavras desnecessárias.
Distante de você, escrevo melhor o que não sinto.
(Paraty, dezembro de 2006)
O mar está tranquilo apesar da correnteza.
As pedras sentem o peso da água.
(se fechar os olhos, lembrará dos parentes mortos)
Não há tristeza nos olhos. Apenas o tempo.
Quando o vir, direi palavras desnecessárias.
Distante de você, escrevo melhor o que não sinto.
(Paraty, dezembro de 2006)
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