adoeci e minha mãe repousa ao lado em meio à agitação da rua: cães, passos, motocicleta, foguete, tiro? penso nos corpos quando se encontram no momento em que tomam consciência de estarem juntos nos amores que se foram prematuros na prima que pulou dos arcos de um viaduto, no centro de Belo Horizonte no quão esquecemos do outro por displicência ou mera infidelidade na estupidez desse morrer de amor penso na pulseira que veio da Turquia nesta pedra verde que imita esmeralda a segunda pedra mais forte, perdendo para o diamante no quanto ainda hei de viver para envolvê-la no pulso pergunto: um amor na amizade pode ser mais duro do que a morte? tudo isso enquanto minha mãe repousa ao lado eu convalescente ela dormindo o sono dos justos
11.9.13
poema para um bom dia
Acordei sem você e achei estranho Entre a cama e o chão não havia uma escada
Nem uma janela que mira outras janelas e o infinito
A sensação do voo, o perigo
Sem caixas ou arquivos do seu mundo de curiosidades
Apenas o som do trem que leva minério para a China
e dos pássaros no quintal
que insistem cantar o amor
o mesmo que agora adentra
todos os cômodos da casa
1.9.13
Prelúdio de Curitiba
Como se aqui estivesse
sinto a sua mão sobre o meu corpo
imaginando a minha mão sobre o seu
Como se aqui estivesse
envolvo-me em seus abraços
entregando-me sem restrição
Como se aqui estivesse
comigo neste quarto escuro ponho-me a beijar seu rosto
e adormeço no seu ombro depois de me possuir
Adormecendo os dois
desse cansaço dos corpos e da escrita
nada igual a outro tempo
partimos então do início
como se aqui estivesse
31.8.13
É certo que são ovelhas e não uma cabra caída sobre os seixos. No fundo, um pastor e dois cachorros que quase não podem ser vistos. As montanhas nos levam à praia, onde um homem contempla o infinito, enquanto uma criança nos atravessa com o olhar. Ulisses provavelmente nunca esteve nos vales de Andorra*, embora próximos do mediterrâneo, mas isso não impede que este pequeno cartão, que se passa em Porto de Envalira, nos conecte, por aproximação ou contraste, a criaturas naturais e fantásticas como o cordeiro de Deus e a cabra mitológica de Agnès Varda.
*O sexto menor país da Europa, localizado entre o nordeste da Espanha e o sudoeste da França | língua oficial: catalão.
24.8.13
O último leitor Ao se lembrar de uma fotografia de Guevara lendo em cima de uma árvore, condensando aqui o silêncio e o isolamento, mas também a vigília, Ricardo Piglia diz: “a leitura permanece como um resto do passado, em meio à experiência da ação pura, do desprovimento e da violência, na guerrilha, na montanha”. Depois do Duelo, no Bordello, estava lá Guevara, numa prateleira, entre o gin e a vodka.
(para Manoel)
11.8.13
Qual o destino de um poema? Um filme em processo. Descubro uma cena de confraternização após o término das filmagens num edifício da Avenida da Liberdade. Lisboa, julho de 2012. Separados agora pelo mar, envio uma carta do Brasil para Portugal, lembrando os amigos que ficaram lá. Cito: Ana Martins Marques, Al Berto, Hilda Hilst, Júlia de Carvalho Hansen, para dar conta de uma saudade impronunciável. Os textos se misturam, falam de casas, resistência política, amor, ausência e escrita. A poesia que há nas ruas e se dissolve na concha da língua. O destino? Francisca Manuel, Daniel Ribao, Carolina Fenati, Priscila Amoni, Eduardo Fonseca, Bernardo Rb, Julia Hansen, Mira, Marta Viegas e António Poppe. Também aos queridos que passaram por lá. A quem mais esta carta possa chegar. Morei tão pequeno e fui feliz nas Escadinhas de São Crispim.
Realização: Glaura Cardoso Vale e Francisca Manuel
Agradecimento especial a Samuel Marotta e Roberto Bellini, pelas dicas e incentivo.
19.5.13
se um dia
19.4.13
há muito não escrevo um poema
para
revelar o que sinto
dizer,
ao pousar a cabeça no seu ombro, que
sonho o infinito
lá
não há dor, nem tormento apenas
sono profundo
hoje
vi o dia amanhecer no seu quarto olhei
você dormindo
todas
às vezes que o encontro sem hora e lugar meu
corpo estremece
tenho
vontade de lhe abraçar mas
hesito
não
sabendo o que dizer escondo-me
nas conversas alheias
porque
uma insegurança se instala como
o amor cravado na pedra