30.5.12


o olho do poeta


assim como o rio
que reflete nossa alma
sua luz atravessa meu corpo 
e alcança o espírito
transformando tempestade em calmaria


outro dia me vi refletida em seus olhos
sou pássaro 
e não sabia




26.5.12


Aeroporto

um casal joga dados na bandeja de plástico
há duas horas disputam números
tento ler e o barulho entorpece a leitura

uma família de portugueses está para partir de Angola
junto a outras tantas
para se abrigar num hotel nas proximidades de Lisboa
o país aguarda a independência 
um jipe chega à porta
o cão late
o filho desmaia
levam o pai

os dados batem sobre a bandeja plástica
entediados, o casal e eu
o som se dispersa 

agora vozes de mulheres ganham autonomia
misturadas as do casal
que volta a jogar os dados na bandeja

os aviões decolam
e o som do aeroporto forma uma massa
que atravessa mais uma vez a leitura 

o pai teria morrido?
– não, minha senhora, 
estou apenas dizendo as regras do hotel
sinto muito,
terão que dividir o mesmo quarto
veja bem,
tem a sorte de estar neste hotel
um dos melhores
cinco estrelas! – 
o pai há-de chegar

penso na casa,
nos livros empilhados, 
no texto a ser escrito

pessoas passam
voltam a passar
o casal foi embora

olho ao redor
café, água, rebuçados nas bandejas 
continuo a leitura 

aeroporto

lance de dados que abole o acaso
impróprio para a poesia
cenário ideal para o aborrecimento

14.5.12



Sr. G. Huberman 


eles gritam
gritam como se fossem dizer: terra à vista!
gritam ao pé da minha janela 
encerrando mais um dia de trabalho 


tenho sono
uma pilha de livros para ler
xícaras de café se acumulam na pia 
penso em você


como seria bom 
se chegasse uma mensagem 
e pudesse descer as escadinhas
deixando ecoar os gritos que ditam o fim do expediente  


eles olham ao redor 
conferem pela última vez se está tudo no lugar 
e se despedem sorrindo 
como em todas as tardes

11.5.12



um velho deitado sobre o rio


lá ao fundo está o rio
como pintura fotocopiada
o céu se impõe perante a ruína 
e modifica o dia


o frio se aproxima da noite
quando a chuva finalmente lava as escadinhas
nada como ver emoldurado
o velho sobre o rio


da janela de onde se vê 
um velho sobre a cama 
guardando para si
aquilo que não há de ser dito





7.5.12

venho pra cama e não consigo dormir
as costas doem
queimam como fogo 


o peso da escrita


os livros conversam comigo
procuro por um poema
que possa narrar esta noite 
em que corremos perigo