assim como o rio que reflete nossa alma sua luz atravessa meu corpo e alcança o espírito transformando tempestade em calmaria
outro dia me vi refletida em seus olhos sou pássaro e não sabia
26.5.12
Aeroporto um casal joga dados na bandeja de plástico há duas horas disputam números tento ler e o barulho entorpece a leitura uma família de portugueses está para partir de Angola junto a outras tantas para se abrigar num hotel nas proximidades de Lisboa o país aguarda a independência um jipe chega à porta o cão late o filho desmaia levam o pai os dados batem sobre a bandeja plástica entediados, o casal e eu o som se dispersa agora vozes de mulheres ganham autonomia misturadas as do casal que volta a jogar os dados na bandeja os aviões decolam e o som do aeroporto forma uma massa que atravessa mais uma vez a leitura o pai teria morrido? – não, minha senhora, estou apenas dizendo as regras do hotel sinto muito, terão que dividir o mesmo quarto veja bem, tem a sorte de estar neste hotel um dos melhores cinco estrelas! – o pai há-de chegar penso na casa, nos livros empilhados, no texto a ser escrito pessoas passam voltam a passar o casal foi embora olho ao redor café, água, rebuçados nas bandejas continuo a leitura aeroporto lance de dados que abole o acaso impróprio para a poesia cenário ideal para o aborrecimento
14.5.12
Sr. G. Huberman
eles gritam gritam como se fossem dizer: terra à vista! gritam ao pé da minha janela encerrando mais um dia de trabalho
tenho sono uma pilha de livros para ler xícaras de café se acumulam na pia penso em você
como seria bom se chegasse uma mensagem e pudesse descer as escadinhas deixando ecoar os gritos que ditam o fim do expediente
eles olham ao redor conferem pela última vez se está tudo no lugar e se despedem sorrindo como em todas as tardes
11.5.12
um velho deitado sobre o rio
lá ao fundo está o rio como pintura fotocopiada o céu se impõe perante a ruína e modifica o dia
o frio se aproxima da noite quando a chuva finalmente lava as escadinhas nada como ver emoldurado o velho sobre o rio
da janela de onde se vê um velho sobre a cama guardando para si aquilo que não há de ser dito