22.3.07

De jovens e reacionários

– Jovens e já andam velhos.
(Diz a quinta página do romance a ser lido)
O peito inflado.
Angustiadas esperanças sobre verdade alguma.

O poeta
(nada mais o impede)
espia da janela,
sente fisgar a face.

Trava a respiração.
– Sou eu, sou você falando asneiras?
Fora do estômago, o jantar de ontem
coalhando na pia.
O ar está excessivamente puro nesta manhã.
Os pulmões se arrebentam em folhos.
E a vizinha dos gatos amarga na área de serviço.

Diga alto, por favor,
ninguém dorme na casa.

17.3.07

Mesa posta

A faca atravessa o bife dividindo-o em quatro.
Assim, servia o jantar.
Naquela noite, um tio ainda bateria à porta.

(para minha mãe)

12.3.07

Novembro, 1935

Rasgar os dedos ao escrever.
Bela metáfora nos olhos dos outros,
já não dizia o ditado?
Geração triste sem memória.

8.3.07

Poesia dentro*

De quando a máquina de filmar não é remédio.
Como é bom, numa tarde como esta, deitar a cabeça em fronha limpa.
Longe do sol quente, longe do barulho de buzinas e motores.
Cada vez mais creio que tudo, praticamente tudo, pode virar poesia
quando se tem o peito a arder em febre,
quando o nó, apenas o nó na garganta impede o ar,
quando não o pulso, mas o estômago está cortado,
quando os olhos estão fechados
e a tela escura é apenas passagem cinematográfica.
No sonho, tudo vira poema.

(na ponta dos dedos toca-se o mundo)

*para Ana C., Júnia T., M. Lúcia, Claudete

5.3.07

O exercício contínuo

Estar sentado à mesa. Tomar café morno para que as pálpebras levantem.
Banho quente. Roupas de ontem.
Buscar na janela a razão do dia.
Pousar a caneta sobre o cheque.

- Toma.

Quando a poesia se equilibrar,
nesse clima úmido, a trama se instala de vez.