31.10.04

# para nica - a bailarina de azul

às vezes me perco.
não sei se fico por aqui a admirar.
ou se (na tempestade rosa) permaneço.
saia rodada, de flores, perfumes variados.
são cores e mais cores.
- olhem! - gritou a menina.
- é uma bailarina a dançar - disse uma outra.
(poderia ser nica, mi, marília, júnia, raquel, carla, carol, tida, laura, li, let, também eu)
(Espelhos)

A noite não estava confusa
O corpo pende, solto
Transitava
Sapatos se entrecortavam, cada um a seu modo,
na pista
suspiros, delícia
Lá, eu o via?
Talvez
segunda - sexta

o sentimento de morbidez invade
quando quero recuar, me prende, me esfola
alguns esparadrapos seguram a pele (dependurada)
o sangue mareja
estou meio down
fico no mezanino lendo um livro, olho pela janela
a tarde parece
o quê? - me pergunta o português.
digo (ainda lânguida):
pra mim, ela só parece,
mais nada (ponto)

24.10.04

(autobiografia)

alguém leu minhas notas escritas no inverno passado...
estava numa ilha, gelada, nadando em água fervendo... parece-lhe estranho? pois alguém leu minhas notas. e a biografia acima é uma mistura da verdade dele, escritor, e preciosas anotações deixadas sobre o banco de madeira.

estou tomando café, comendo broa de fubá. dopada de antialérgicos...
meu deus!, quantos pernilongos existem em curvelo?!...

***

(os livros que nunca escrevi)

uma vez tive uma idéia (sempre tenho uma idéia). acho que as idéias se alojam no pensamento e depois são transmitidas pelo ar. o resumo disso é que alguns escritores parecem respirar esse ar. aí, leio o tal e digo: "taí o livro que eu não escrevi".

***

(incoerência)

minha cabeça hoje está para papos de aranha. isso pode dar em alguma coisa, se por exemplo pensarmos em teia, tessitura. aí vem o gostosão do
homem-aranha (saltitando por nova iorque) e invade a minha imaginação.
já não existe mais a idéia original, mas pulsações, fluídos ardentes...
a teia é açucarada (incoerência?)...

bzum zzz zz z... (isso é abelha na teia)
zzz...
bz...
glupsh!

(trechos extraídos da comunidade "escritores incompetentes")

23.10.04

A boca está entreaberta. O vento bate no rosto, sorri.
Não era do passado que se lembrava.

Passa a mão na testa. Franze o nariz.
Beija o ar.
Cai no chão. Respira.
Inclina uma pedra.
(Vê sair dali instantes de felicidade).
"Manolito publicitário"

Sonhava que estava num lugar onde não havia barulho de trânsito, telefone, televisão, rádio etc. As pessoas caminhavam com tanta disciplina e leveza, tão neutras, que não pareciam humanas. Pareciam personagens de papel. Mas de repente, eis que surge o Manolito com um cartaz enorme: COMPRE NO ARMAZÉM SEU MANOLO! Acordo assustada. Sem entender muito onde estou. Com a cabeça ainda meio zonza, me levanto e pego o "Toda Mafalda" que está ao lado do computador. Folheio o livro para ver quantas vezes o Manolito quebra o ritmo das tirinhas com essa investida. E não é que ele insiste! Manolito é filho de comerciante e sempre atento ao que lhe diz respeito dá um jeito de fazer publicidade. Achei que seria uma idéia fantástica escrever um texto sobre essa experiência minha com o Manolito, depois desanimei... Abri (sem querer) na página em que Mafalda está sonhando calmamente e Manolito, do nada, surge com o mesmo cartaz:
COMPRE NO ARMAZÉM SEU MANOLO!
(Quino já havia pensado nisso!)

17.10.04

Nós, os etnográficos

É ele (Oswaldo) a dançar samba e eletrônicos no meio da pista. Impulsos se espalham por todo corpo. Gira, gira. Abraça alguém. Bebe cerveja. Sai por um instante. Fuma um pouco perto do balcão. Sorri de um jeito. Volta.
Gira mais um pouco em torno de si mesmo. Abre os braços. Não se cansa nunca. Agora Jupira aparece (aonde ela estava?). Entra Raquel, Robinho (olhando de lado), Pedro, Pedrinho, Ribão, saltitante, e tudo se torna uma grande festa.
Eu? Também estou lá, escutando essa música, que quase nos escapa.

(para o amigo Garro – qualquer dia desses vamos tomar chá?)

Estou sempre parado. É verdade que circulo pelos ambientes, mas você vai me ver sempre parado, em algum canto, só observando. De vez em quando, murmuro alguma coisa. Geralmente, um comentário, desses, bem sutis. É assim, entre um chá e um café, uma cerveja e um cigarro, uma leitura e outra, que tocamos a vida.
Abriu delicadamente a persiana para ver se ele estava, como de costume, encostado no balcão do bar. Descobriu que, entre o poste e o telefone público da esquina, havia uma rachadura no passeio.
O silêncio a apavora. Toda vez que ele chega nem se olham. Entre um sorriso e outro acabam se tocando. Assim, tem-se a certeza de que tudo está no lugar.
Clara chora sentada no canto do banheiro: "Queria dar gargalhadas".
Agora lava o rosto, respira fundo, passa batom, engole seco e volta.
Amanhã é dia de fazer feira. Toda terça compra frutas pra casa.

16.10.04

Embriagada

Quando criança sonhava com uma casa invertida. O lado de dentro seria amarelo-ouro, o seu oposto azul-azul.

Essa idéia (ainda precária) faz parte das inúmeras idéias que colecionei ao longo desses anos. Era uma maneira que encontrei (na época) de tentar explicar, para minhas coleguinhas do colégio, o que seria o fora no dentro.

Eu era a única menina da minha rua a morar em uma casa que ofuscava a vista de qualquer passante. Assim, do avesso, a cor da casa faria parte apenas da nossa intimidade. Ofuscaria olhos, claro, mas de quem (autorizado) entrasse.

Explicar o fora no dentro hoje é banal. Basta pensar em sacanagem. Mas as meninas lá torciam o nariz pra mim. Acho que tinham medo de ficarem loucas ouvindo argumentos delirantes. Eu era meio confusa, confesso. Mas algo extraordinário me chama atenção nesse assunto.

De resto, a casa, concreta, permaneceu reluzente (por fora) durante um bom tempo. É, me ajudou na adolescência, quando precisava me esconder. Ninguém me via. Ou se via, não era eu.

É verdade que nunca provei do amarelo no meu quarto, na sala de TV, na área de serviço, no teto da cozinha e dos banheiros. Tudo pra mim, nesse aspecto, continua opaco.

O lado de dentro? Ah! Também nunca foi azul.

Ei! Ei! Ei! Ei! Ei! Calar por quê?

Cara, isso tudo é papo de boteco, essas coisas aí, jogar conversa fora, metáfora. Vai te fudê! Babaca!

***
ps: extraído “do diário de uma rapariga”.

12.10.04

(para Ribão – o sonho, de cabelo encaracolado, de todas as gentes)

A saudade é tanta que o coração salta pela boca, parece que não vai agüentar. Às vezes sorri. O pensamento anda longe.
"Cadê você, que até no sonho me faz falta?".
Os meses passam, ela chega, e o que era saudade vira um samba dentro do seu peito. Sorriso na cara, mais estalado.
O pensamento continua longe: a olhar constelações em dia de céu estrelado.
Afagos e beijos vem e vão (assim como a bandeira que está ao vento).
Coloca a mão no meu peito, "sente esse batuque engraçado?!".

ps.: me lembrei do Ribão, na casa do Pedrinho, tocando cuíca. Não consigo parar de rir. Espero conseguir anexar este texto, ainda quente, antes que eu caia em "si" e perca o calor da hora.
Dois mundos giram devagar no meu cérebro. Um quer que eu acorde e vá estender a roupa que a máquina acaba de bater. O outro, mais ocupado com o intelecto, quer que eu pegue o lápis e comece a fazer um esboço do retrato que me encomendaram. Decidi que os dois mundos vão continuar girando. Prefiro pegar no sono e sonhar que realizo minhas tarefas. Assim a ressaca passa, sem que eu me dê conta dela. Por que tanto vinho barato? Estou em algum bar de Paris, acompanhada de amigos franceses. Leio um postal que acaba de chegar do Brasil. O desenho do postal é de um artista muito conhecido, talvez espanhol. A letra está tremida. Mas parece sincera.
Vai ver tudo isso é verdade.
Sem idéia para o dia, porque a vontade é de falar coisas muito pessoais. Aqui não é o melhor lugar para deixar queixas. De qualquer modo, acaba ficando um pouco do que nos acontece. Não deixa de ser eu, andando nas ruas, sentindo o sol arder no rosto. Pode até ser que finja sentimentos, crie personagens, mas se não sou eu nem você, quem mais poderia escolher esta frase e não outra? Chorar às vezes faz bem; chorar esse mundo louco, de guerras e assaltos na esquina.
O cheiro de sangue humano, ainda quente. Quem foi o sacana que inventou a arma de fogo?
Prefiro os comprimidos... nos ajudam morrer lentamente.

não me interpretem mal.
Isso aqui, também é ficção.

10.10.04

compromisso

tentou encontrar no armário a roupa mais apropriada para a festa. demorou duas horas para combinar tudo. fez um coque. vestido preto, não tão justo. sapatos cor de abóbora. batom discreto, sombra rosada. colar, pulseiras, anel de âmbar. perfume.
pegou a bolsa. (saiu sozinha)

3.10.04

(para Li e Let)

Ao ver Catita e Su brincarem no quintal, se lembra do quanto ele lhe parecia perigoso na infância. Insetos esquisitos, atrevidos, minhocas a saltitar pela terra numa coreografia quase pornográfica. Mas o que mais a impressionava era a quantidade de plantas que, em vasos diversos, às vezes em latas de tinta e baldes velhos, estranhamente compunham aquele cenário. Lembrou-se do dia em que colocou fogo numa folha seca de bananeira quase causando um incêndio na casa. Várias delas ficaram torradas. Catita pega a mangueira e vai aguar algumas plantinhas que restaram daquele fabuloso quintal, enquanto Su fica olhando admirada. Quanto mais o tempo foi passando, mais o estreito chão de cimento tomou conta do lugar. Hoje o quintal se transformou num enorme pátio. Catita agora está sentada ao lado do banco de ardósia, caçando formiguinhas. E Su saltita numa poça d’água. Ambas terão que tomar banho.