31.10.10

Notre Dame

Para você, meu amor,
que anda longe
deixei estes versos
para quando nos encontrarmos
Sabendo que as ruas por onde caminho
foram também suas
As mesmas janelas fotografo
e a luz que incide sobre os telhados
(neste cair da tarde)

Do alto da escadaria
avistamos Notre Dame
A saudade que em mim habita
tomo nota

(anotações de viagem, diário sem data)

30.10.10

É preciso ter o espírito livre
Para que o corpo encontre a metade que lhe cabe
Vaguemos pelo mundo
E busquemos cada vez mais as pessoas do mundo

Perdidos na imensidão da noite
Como poetas vorazes  
Certos de que ninguém nos compreende
Seria preciso mais mil anos?

As paixões cegas são as que menos interessam
Livres de toda posse e de toda arrogância
Podemos ver o mar
Sem pensar no que oprime o presente

27.10.10

Quando vem a chuva
O vento passa a rir
E ri áspero levantando o vestido

Nesta noite chuvosa e de ventania
Se nos encontrássemos por acaso
Poderíamos tomar algo quente
Vendo a chuva e vento terminarem seu rito de passagem

26.10.10

A queda de Ícaro
 
                                para tio Marco

O dia após o outro dia
Ícaro escolhe a quem tocar com os dedos rosa

Sua queda provém do desejo de ir mais alto
do que os ares pudessem lhe fazer voar

Ícaro tem os pulsos firmes

mas o coração frágil
Em busca da liberdade
pediu rasgando os céus
que seu corpo pendesse no mar 


22.10.10


e se um dia a chuva...

Florbela,

é tão triste morrer na sua idade?
vejo seus olhos, penitentes

 
Florbela:

Ser-se novo é ter-se o Paraíso,
É ter-se a estrada larga, ao sol, florida,
Aonde tudo é luz e graça e riso!


Florbela,

e se um dia a chuva
pudesse ter lavado seu espírito
teria dormido como um anjo
e não morreria em sua dor
despedida


Florbela:


A minha Dor é um convento ideal
Cheio de claustros, sombras, arcarias,
Aonde a pedra em convulsões sombrias
Tem linhas dum requinte escultural.


Florbela

de roxo, violeta e lilás
seu vestido no dia em que se tornou imagem
em mim, seus sonetos são agora
noites e manhãs


Florbela: 

O sol morreu ... e veste luto o mar ...
E eu vejo a urna de oiro, a balouçar,
À flor das ondas, num lençol de espuma. 

Florbela,

e se um dia...
tenho medo de mim
quando anoitece o quarto
mas logo uma pequena fonte de luz
vinda de uma fresta
invade meu corpo e minha alma

há esperanças neste mundo?
o sono não vem
e com ele a espera dos dias felizes

20.10.10

                                          para eduardo assis
                                                     (dos comentários ali embaixo)


como a vida às vezes me parece tão estranha...

é adormecer para encontrar nos sonhos a verdade?

acordo triste e febril

hei-de ver os cisnes um dia

de o encontrar nesta terra cinzenta em frente ao relógio?

eis que me pego sorrindo

de imaginar o meu mundo ainda se construindo

não temo mais a morte

e com isso celebro a vida

o que seria de mim

poeta e mística

não fosse você

meu caro amigo?

vá ver o lago

tão logo chego e não será um engano

18.10.10

Rilkiana
  
para você, meu segredo,
que habita meu corpo inteiro
uma flor para acariciar seu rosto
nesta noite escura

em meus braços,
como um anjo recém-caído,
adormeceu de repente
e dormimos os dois
com o canto dos pássaros

despertei com o sussurrar do vento
e vigiei seu sono
vi a primeira luz da manhã iluminar sua face
com a ponta dos dedos,
contornei seus olhos e sua boca 
declarando amor verdadeiro

12.10.10

Mesmo que me peça,
Não saberei explicar por onde passam todos estes sentimentos que atravessam os dias
Provavelmente inventarei uma dor que não existe
Um amor ausente,
Um beijo de despedida

Outro dia senti o perfume da noite
Pensei em você
Nos seus versos misturados aos meus
No quão impreciso é o futuro que nos aguarda

Colhi o cheiro da noite

Da pedra brota uma flor
Que irá enfeitar a nossa mesa
Adentrando os desejos mais profundos
Sinto-me cada vez mais forte perante a mesquinhez do mundo

10.10.10

A passageira
                                                      Para Raquel Junqueira

A sombra das árvores a incidir na casa
O corredor guarda o corpo
Embocadura
O corpo gemendo
Lentidão dos gestos

Andar por entre as árvores
Lábios afastados
Beleza indecisa
A boca mordendo o vestido
Sombra sobre a forma

O homem caminha em direção a ela
Presa à sombra
Não tem como escapar ao apelo do corpo
Rola pelas escadas
Tem as mãos vazias
Os olhos febris
Um peso nos ombros
Ferida que não estanca

Desfalecida, deixa pender a mão
Adentra na noite
As pedras recebem a água da manhã
Ensopada, vê os ânimos se renovarem
Despe-se agora

Abandona o corpo
Olha o rio como da primeira vez
A floresta que o rio reflete

A nudez da planície
A chuva se dirigindo ao mar
O mar é o que não vejo

(anotações de viagem, diário sem data)

6.10.10

dois corpos se encontram na noite infinita
e se separam na manhã seguinte
é sempre um despedir
não adianta forçar o destino

 

os caminhos são múltiplos
os corpos que se encontram na noite infinita
e se separam na manhã seguinte
não são garantia de felicidade
 

algo está para acontecer
temos o mundo e a escrita
a escrita é o amor, o ódio, a alegria
ao mesmo tempo outra coisa
superior a qualquer sentimento comum aos homens