31.8.08

Cosmogonia*

Primeiro foi a água
Dos seres que dela surgiram
Homens-peixe desejaram caminhar
Fez-se então uma terra vermelha

Diferentemente da que haviam experimentado no oceano,
Uma poeira ainda mais fina ofuscou-lhes a visão
Descobriram o vento
O calor a arder as têmporas
Aprenderam a tanger a terra com gotas de suor
Fizeram instrumentos

Descobriu-se que o céu já existia há anos
Mais tarde, sua infinita beleza
Inventaram o vinho
Por vezes a pequenez os apanhava completos
Majestosos no tempo
Fugidios, os poetas

Seus olhos
A floresta que veio depois

Da cicatriz escorria-se um líquido pegajoso
Surgiram ruas e avenidas
O barulho dos carros a atravessar-lhes a noite
Previram o desaparecimento da água
Mas não quiseram o retorno
Preferiram compor sinfonias

Ode às estrelas

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*para Bu Guanambis e Rafa Barros

28.8.08

Novamante*

Pequena imagem num selo
Um homem tocando piano - Liszt
(corta para)
Mulher segurando espelho

De Portinari a primeira
Novamante a segunda

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* para edu

18.8.08

Das dinâmicas do dia
















Descer o lixo
Conferir a caixa postal
Subir três lances de escada
Jogar as chaves sobre a mesa
Tomar um copo d’água
Ler um livro,
desligar-se deste mundo

A dona de casa apanha capítulos dispersos
Arthur, Herberto, Gabriel, Orides

17.8.08

Monte Alegre

Provavelmente
Na Grécia Antiga
As mulheres (tendo voz)
Clamando por seus filhos
Encheriam
de porrada
A boca recalcada dos fazedores de guerra

Sem dentes,
O poeta
Uma besta-quadrada

A guerra,
Invenção dos homens
para a multiplicação de filmes enlatados

Açoitar o inimigo
com palavras vulgares
Coisa do fascismo

10.8.08

Jonathan Mangabeira

Não compreendo seu sorriso
Ri para mim dizendo até logo
Nos pés o suor do asfalto

(becos, avenidas, BRs)

Nas mãos marcas esferográficas
Poderia caber o mundo em versos rimados
Escrever caminhando
Poeta
Vinte e quatro horas por dia

6.8.08

educação na pedra

um grito violento atrás da porta
o tiro que atravessou o jovem
atormenta gerações

aristocracia paidéia
em restos de livros
comidos por traças
a casa minando água
as pessoas dos retratos desaparecendo no tempo

um bife pra cinco,
no domingo refresco
aristocracia paidéia ou
o imaginário bufão

2.8.08

Da Torre Mais Alta*

Falemos na mocidade presa
Deprimida
Delicadeza perder a vida

Da alma
Não posso negar
Flores sobre a mesa vazia
Disse: – Acaba (devagar)
Promessas ao vento
O bem que seja
Aspiro
Retirante
Amor derradeiro

Ao menos pudesse sonhar
Diria palavras
Erguida aos céus
Sede estranha que ofusca a garganta

Que campos visitar?
Condenada
Duvidando do hálito amargo
Moscas selvagens
Na imagem que assola
Uma senhora, um grito
Quem rezaria Ave Maria?

Oprimida mocidade
A pureza, o encanto
Num estalar de dedos,
Que o tempo venha
– Arthur!
Sua poesia esfola viva


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*para Quel Junqueira, para Fred Sabino