4.10.05

this is not a funny story
*para meu pai

achei, entre a papelada que ainda resta no meu antigo quarto, um pedaço de madeira escrito:
“minha filha, nunca abra a caixa de pandora. a minha foi aberta e de lá saíram monstros e fantasmas que até hoje me atormentam”.
diria que meu pai é um poeta que teve a carreira amputada; talvez pela perda do irmão ainda jovem, morto estupidamente porque teve medo de ser preso e correu. “M. A. C. V., 20 anos, levou um tiro pelas costas por causa de um bocado de maconha no bolso. chegando em casa, depois de um dia de trabalho, a mãe do jovem deparou com um camburão à sua porta e, dentro, o corpo do caçula”. não foi assim que saiu no noticiário.
não sei se exatamente, mas acredito que seja esse o momento em que, para meu pai, a caixa de pandora tenha sido aberta. não fora por curiosidade que os fantasmas se afloraram, mas por um golpe, que desencadeou uma série de anomalias que não permitiram o distanciamento necessário para uma poesia consciente.
será preciso gerações para que essa história seja passada a limpo. quanto ao poeta, que se manteve guardado todos esses anos, continuará recluso, até ser completamente esquecido.

– ainda resta a teimosa esperança! – um aspirante a escritor gritou do fundo da sala.

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