26.5.12


Aeroporto

um casal joga dados na bandeja de plástico
há duas horas disputam números
tento ler e o barulho entorpece a leitura

uma família de portugueses está para partir de Angola
junto a outras tantas
para se abrigar num hotel nas proximidades de Lisboa
o país aguarda a independência 
um jipe chega à porta
o cão late
o filho desmaia
levam o pai

os dados batem sobre a bandeja plástica
entediados, o casal e eu
o som se dispersa 

agora vozes de mulheres ganham autonomia
misturadas as do casal
que volta a jogar os dados na bandeja

os aviões decolam
e o som do aeroporto forma uma massa
que atravessa mais uma vez a leitura 

o pai teria morrido?
– não, minha senhora, 
estou apenas dizendo as regras do hotel
sinto muito,
terão que dividir o mesmo quarto
veja bem,
tem a sorte de estar neste hotel
um dos melhores
cinco estrelas! – 
o pai há-de chegar

penso na casa,
nos livros empilhados, 
no texto a ser escrito

pessoas passam
voltam a passar
o casal foi embora

olho ao redor
café, água, rebuçados nas bandejas 
continuo a leitura 

aeroporto

lance de dados que abole o acaso
impróprio para a poesia
cenário ideal para o aborrecimento

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