No pátio de um convento, uma freira surge por trás de uma porta, emerge do fundo da imagem, caminha e toca o sino.
No
plano seguinte, o longo corredor tem suas portas abertas, uma a uma,
sob o repique do sino no fora-de-campo, sob o som dos passos das
freiras.
'Ave Maria', diz a personagem como quem saúda o nascer do
dia, o nascer da luz que se imprime no anteparo sensível do
cinematógrafo.
Quando as portas se abriam ao tempo, o som já habitava o fora-de-campo.**
O trecho acima se refere a um filme do cineasta francês Robert Bresson, mas poderia ser um excerto de romance.
Um romance no qual a linguagem cinematográfica já faria parte do
vocabulário do leitor e as imagens textuais dialogariam entre si à
maneira do cinema.
Não quero com isso confundir as duas experiências.
Apenas lembrar que CINEMA e LITERATURA conversam,
por solicitação, por empréstimo (GODARD).
Ninguém irá discordar que há um aspecto formal na obra de alguns
cineastas atravessado pela escrita. Como a espada no peito de Píramo a
tingir de vermelho as amoras.
Como o instante da dor (que não cessa) ao ver/não ver o amor dilacerado pelos leões.
Amores impossíveis.
Cheiro de gás (CHANTAL).
Uma mulher sobe até o terraço e vê o corpo pender.
Outra lamenta seu amigo.
BALTHAZAR, BALTHAZAR
Rigor e silêncio.
Ler é ler.
Há quem acredite no saber enciclopédico. Já os amantes da conversa ao
vento passariam anos com apenas um trecho de romance no bolso,
ruminando-o, imprimindo ambiguidade no silêncio.
A espada, o sangue, o tempo das amoras.
Imagens a se dissolverem no instante em que se abandona o livro.
Imagens a fixar em nós uma experiência indecifrável. Quando indeléveis.
Imagens frágeis como os mortais.
Em tempos de guerra, onde andará a ternura?
A incomunicabilidade a produzir fins trágicos.
Sagas, odes, trovas, cantigas, escárnio, fingimento
Há quanto tempo não dormimos?
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*para Pedrinho, cujo trabalho me inspirou o dia
**Pedro Aspahan, “Entre a escuta e a visão: o lugar do espectador na obra de Robert Bresson” (2008).
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