8.5.15


O meu pai era contador de um banco do Estado e saía aos fins de semana dizendo que iria trabalhar. Nessa época, eu andava com minha amiga de infância na casa da tia dela, nossa vizinha, que nos recebia com bolos, biscoitos e suco Tang. Seu marido, coronel reformado, sempre quando me via perguntava: "cadê o seu pai?". Eu respondia que ele havia ido trabalhar. Então, com seu bigode de coronel e com os cabelos penteados para trás com vaselina, dizia, em tom baixo, com olhar endereçado: "bancos não abrem aos fins de semana".

Tinha apenas 9 anos e achava tudo aquilo muito estranho. Só mais tarde compreendi que meu pai se apaixonara por uma colega e que não era recíproco, construindo para si um amor platônico. Minha mãe nunca nos disse uma palavra que nos fizesse revoltar contra ele. Quando chegava bêbado, ela o enfrentava com um ferro de passar roupas, fervendo como brasa. Era tão segura de si que, com um cabo de vassoura em punho, separava brigas dos meus irmãos já marmanjos. 


De modo que, aos 20 anos, quando fui pedida em noivado, olhei com desconfiança para o passado, achei deveras curto em relação ao que o futuro me aguardava. Não aceitei, obviamente, o que deixou meu primeiro namorado em choque. Sei que hoje está feliz – isso me conforta. 

Não me orientei pela bravura de minha mãe, talvez porque achei desnecessário passar roupas e cultivar a ideia de ter filhos para usar cabos de vassoura. O que já não fazia sentido para quem acabara de ingressar na Universidade e descoberto Hilda Hilst. Quanto ao coronel, soube que, na altura de morrer, fez tanta força que lhe saíram os excrementos.

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