16.10.04

Embriagada

Quando criança sonhava com uma casa invertida. O lado de dentro seria amarelo-ouro, o seu oposto azul-azul.

Essa idéia (ainda precária) faz parte das inúmeras idéias que colecionei ao longo desses anos. Era uma maneira que encontrei (na época) de tentar explicar, para minhas coleguinhas do colégio, o que seria o fora no dentro.

Eu era a única menina da minha rua a morar em uma casa que ofuscava a vista de qualquer passante. Assim, do avesso, a cor da casa faria parte apenas da nossa intimidade. Ofuscaria olhos, claro, mas de quem (autorizado) entrasse.

Explicar o fora no dentro hoje é banal. Basta pensar em sacanagem. Mas as meninas lá torciam o nariz pra mim. Acho que tinham medo de ficarem loucas ouvindo argumentos delirantes. Eu era meio confusa, confesso. Mas algo extraordinário me chama atenção nesse assunto.

De resto, a casa, concreta, permaneceu reluzente (por fora) durante um bom tempo. É, me ajudou na adolescência, quando precisava me esconder. Ninguém me via. Ou se via, não era eu.

É verdade que nunca provei do amarelo no meu quarto, na sala de TV, na área de serviço, no teto da cozinha e dos banheiros. Tudo pra mim, nesse aspecto, continua opaco.

O lado de dentro? Ah! Também nunca foi azul.

Ei! Ei! Ei! Ei! Ei! Calar por quê?

Cara, isso tudo é papo de boteco, essas coisas aí, jogar conversa fora, metáfora. Vai te fudê! Babaca!

***
ps: extraído “do diário de uma rapariga”.

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